Título: Encontro sem resultados
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Fonte: O Estado de São Paulo, 20/06/2006, Notas e Informações, p. A3

Presidentes do Mercosul devem reunir-se em Córdoba, na Argentina, nos dias 20 e 21 de julho. Não terão assunto para dois dias, se o encontro ministerial da última sexta-feira, em Buenos Aires, valer como prévia da conferência de cúpula. O chanceler brasileiro, Celso Amorim, apresentou à imprensa uma avaliação otimista da situação do bloco, reforçado, segundo ele, pelo ingresso da Venezuela. Segundo ele, vê-se agora mais claramente a "coluna vertebral da América do Sul", estendida entre a Terra do Fogo e o Caribe. Mas Amorim ressalvou não estar falando de geopolítica e sim de um fato geoeconômico e geocomercial.

Não basta um funcionário brasileiro afirmar essa diferença. A distinção entre o geoeconômico e o geopolítico é diariamente menosprezada no discurso do presidente venezuelano, Hugo Chávez. Na sexta-feira, o protocolo de ingresso da Venezuela foi assinado pelos ministros. O novo sócio do Mercosul terá quatro anos para se adaptar à Tarifa Externa Comum, mas poderá influir imediatamente nas políticas interna e externa do bloco.

A participação de Chávez poderá ocasionar problemas, admitiu o chanceler brasileiro, mas a ampliação do bloco, segundo ele, dará resultados positivos. Também a União Européia, argumentou Amorim, enfrentou problemas em seu crescimento e na discussão de questões de grande alcance, como a adoção da moeda comum e de uma constituição regional. Mas é difícil aceitar a comparação, quando se consideram as pretensões e o histórico de Chávez, incluído seu apoio ao governo boliviano contra o Brasil.

Mas o Mercosul já tem problemas de sobra mesmo sem a presença incômoda de um quinto sócio. O contencioso Argentina-Uruguai, relativo às fábricas de celulose, continua submetido à Corte Internacional da Haya. Na reunião de Buenos Aires, o governo uruguaio reclamou das perdas causadas pela interrupção do tráfego entre os dois países - conseqüência da ação de piquetes argentinos. O assunto será encaminhado a um comitê de arbitragem do Mercosul. O governo brasileiro continua recusando intervir nessa briga, apesar das solicitações de Montevidéu.

"A relação Brasil-Argentina está melhor que em muitos outros momentos", disse o chanceler Amorim. Também essa declaração é discutível. Não há atrito importante, agora, entre Buenos Aires e Brasília simplesmente porque as autoridades brasileiras têm acatado a maior parte das imposições comerciais argentinas, deixando de apoiar os interesses legítimos das indústrias nacionais.

Os ministros deveriam ter procurado, em Buenos Aires, "coordenar posições para a reunião ministerial da OMC, no âmbito das negociações da Rodada de Doha", segundo nota distribuída pelo Itamaraty na semana passada. No final do encontro, os cinco ministros (incluído o venezuelano) limitaram-se a informar que continuam esperando melhores propostas do mundo rico para o comércio agrícola. Além disso, chamaram a atenção para dois outros pontos: 1) as concessões em matéria de comércio de produtos industriais devem corresponder ao nível de ambição da reforma agrícola; 2) os países em desenvolvimento terão direito a um tratamento diferenciado, podendo oferecer menos que os parceiros desenvolvidos.

Esses pontos foram acordados na reunião ministerial de Hong Kong, no fim do ano passado. Para repeti-los, não seria preciso "coordenar posições" em Buenos Aires. Os problemas efetivos de coordenação - até onde avançar em cada concessão para o comércio de bens industriais - continuam, tudo indica, sem solução.

Também nada se fez de concreto para atender paraguaios e uruguaios, descontentes com o Mercosul e dispostos a buscar acordos separados com os Estados Unidos. O governo brasileiro reconheceu como justo, pelo menos, esse descontentamento e anunciou a disposição de estudar apoio financeiro a investimentos nas economias menores do bloco. Não poderá fazer muita coisa neste ano. De toda forma, a vaga promessa de maior atenção talvez seja insuficiente para conter a insatisfação dos sócios economicamente mais fracos. Eles querem mais comércio e muito mais investimentos, e isso o bloco não proporciona.