Título: Acordo de cavalheiros
Autor: Dora Kramer
Fonte: O Estado de São Paulo, 19/07/2006, Nacional, p. A6

A rigor, nem o Supremo Tribunal Federal autorizou quebra de sigilo sobre os processos que correm sob segredo de Justiça, nem a CPI dos Sanguessugas obteve concessões por força de pressão ao tribunal.

Foi, antes, um acordo feito na noite de segunda-feira entre integrantes da CPI e o ministro-relator do processo no STF, Gilmar Mendes, o que permitiu a divulgação dos nomes dos 56 deputados e um senador sobre os quais pesam acusações formais de envolvimento com a máfia que fraudava verbas do Orçamento da União a partir de emendas parlamentares.

A comissão e o tribunal - vale dizer o ministro-relator e a presidente do STF, Ellen Gracie - chegaram à conclusão de que a manutenção do sigilo dos nomes dos parlamentares alvos dos inquéritos que correm em segredo de Justiça no Supremo seria insustentável.

Primeiro, porque várias listas já estavam sendo divulgadas a todo instante, em diversos veículos de comunicação.

Segundo, porque a proteção a pessoas já pronunciadas pelo Ministério Público estava criando constrangimentos para a CPI e conferindo ao STF a condição de vilão que impediria o eleitor de conhecer as circunstâncias do exercício de mandatos cuja posse, em última análise, é do público.

A pressão, portanto, fez mudar posições e ficou acertado que cada lado cede um pouco: o tribunal não contesta a divulgação dos nomes e a CPI não dá publicidade a todo o material recebido da Justiça.

O STF, que anteriormente havia negado o pedido ao presidente da CPI, deputado Antonio Carlos Biscaia, resolveu rever conceitos e adotar o entendimento de que a divulgação dos 57 nomes notificados pela CPI para apresentarem suas defesas não representa quebra do sigilo de Justiça, pois é material já "processado" pela comissão que tem prerrogativa de dar publicidade ao resultado de suas investigações.

A CPI também alterou o roteiro previsto anteriormente. A comissão pretendia divulgar apenas os nomes dos parlamentares cuja defesa por escrito não convencesse, e faria isso no relatório parcial previsto para a primeira ou segunda semanas de agosto. Entre sexta e segunda-feira, porém, resolveu por bem divulgar logo o nome de todos os notificados alegando que, em virtude dos erros nas listas não oficiais, seria melhor dar publicidade a um documento oficial para não haver injustiças.

Uma versão cor-de-rosa para não se admitir que a mudança de planos guardava relação com o risco de contrapressões de partidos envolvidos, principalmente do PMDB sobre o relator Amir Lando, poderia prejudicar a idéia de quebrar o sigilo dos nomes do relatório parcial de agosto.

Entre sexta-feira, quando ainda prevalecia o entendimento de que só seriam divulgados os nomes que a CPI decidisse enviar para o Conselho de Ética sob acusação de quebra de decoro, e segunda-feira à noite, quando a comissão radicalizou no sentido de fazer conhecidos todos os 57 parlamentares notificados, a única coisa diferente que aconteceu foi uma entrevista do relator desmentindo outros integrantes da CPI que já haviam revelado a intenção de quebrar o sigilo.

Lando disse na segunda à tarde que os trabalhos da CPI estavam atrasados e o relatório parcial não deveria sair no início de agosto como estava sendo dito por seus colegas de comissão.

Os pares de Lando negam relação de causa e efeito, mas fato é que na segunda à noite tudo mudou e a terça-feira amanheceu com os parlamentares que deram vida e agora dão gás à comissão - Biscaia, Fernando Gabeira e Raul Jungmann, uma espécie de esquadrão alternativo - anunciando a divulgação de todos os nomes para ontem mesmo.

E mais: disseram também que os trabalhos da CPI estão tão adiantados (24 horas antes o relator os havia qualificado como atrasados) que até o dia 16 de agosto serão concluídos dois relatórios.

O primeiro, no dia 2 ou, no máximo, no dia 8, contendo os nomes dos parlamentares sobre os quais pesam os indícios mais contundentes de envolvimento com a máfia dos sanguessugas.

O segundo, do dia 16, incluirá "tudo". E por "tudo" entenda-se praticamente o conteúdo dos autos cujo sigilo a partir de ontem e do novo entendimento do STF, passou, na prática, a ser mera formalidade.

Se tudo o que for ao exame da CPI puder, sem conflito nem risco de contestação por parte da Justiça, ser divulgado, só ficará sob a proteção do segredo aquilo que a comissão entender dispensável para a condenação dos corruptos, ou seja, o que for irrelevante.

NAS GRAÇAS

A presidente do Supremo Tribunal Federal, ministra Ellen Gracie, está altamente conceituada entre os integrantes da CPI dos Sanguessugas.

Isso porque foi ela quem revogou o relaxamento de prisão dos envolvidos concedido pelo Superior Tribunal de Justiça. Sem essa revogação estariam todos soltos e não existiriam os acordos de delação premiada que agora permitem que a CPI prossiga com chance de sucesso.