Título: Está na hora de levar a sério a questão dos subsídios
Autor: Luiz Inácio Lula da Silva
Fonte: O Estado de São Paulo, 02/06/2006, Economia, p. B4

A reunião entre países europeus, países americanos e caribenhos realizada em Viena no início de maio permitiu uma frutífera troca de opiniões sobre muitas questões. E, o mais importante, ofereceu uma oportunidade para os líderes discutirem a necessidade de chegar rapidamente a uma conclusão equilibrada e ambiciosa na chamada Agenda de Desenvolvimento de Doha.

A Rodada Doha é nossa melhor chance de reduzir e eventualmente eliminar os subsídios agrícolas e abrir mercados para produtos agrícolas. São passos essenciais necessários para aumentar a riqueza e criar empregos por meio do comércio internacional, particularmente nos países em desenvolvimento.

Há uma crescente conscientização de que os subsídios não são apenas imorais, mas também ilegais. As decisões tomadas pela Organização Mundial do Comércio nos últimos anos, muitas em resposta às reclamações apresentadas pelo Brasil, têm endossado o ponto de vista de que os subsídios distorcem profundamente o comércio internacional. Aumentam a pobreza nos países em desenvolvimento, incentivam a ineficiência entre os produtores das nações desenvolvidas e punem consumidores do mundo todo.

O comércio de produtos agrícolas nunca foi objeto de um esforço sério de liberalização. Em contraposição, o comércio de produtos industrializados foi a principal meta das rodadas anteriores quando vigorava o GATT - General Agreement on Tariffs and Trade (acordo geral de tarifas e comércio).

Como resultado, a proteção aos produtos industrializados foi significativamente reduzida em todos os lugares, enquanto a proteção ao setor agrícola foi pouquíssimo afetada. Está na hora de repensar este desequilíbrio.

A eliminação dos subsídios agrícolas e a abertura dos mercados em países ricos afetarão não mais de 1% a 2% da mão-de-obra deles. Isso não é nada quando comparado com os 30% a 35% de trabalhadores empregados no setor industrial em países em desenvolvimento e cujos mercados para mercadorias industrializadas importadas estão sendo alvo de nações mais ricas.

O protecionismo agrícola faz piorar as condições de vida no mundo inteiro em benefício de uma meia dúzia de agricultores privilegiados dos países ricos. Relações comerciais internacionais mais equilibradas terão um efeito multiplicador sobre os países em desenvolvimento, onde uma significativa parte da população ganha a vida com a agricultura. Isso é particularmente verdadeiro na África, onde milhões de pessoas que agora enfrentam a pobreza e a fome serão incluídas na economia mundial.

A reunião ministerial realizada em Hong Kong, no ano passado, não produziu resultados suficientes, embora algum progresso tenha sido atingido. As recentes conversações ocorridas em Genebra têm sido cada vez mais permeadas por uma sensação de frustração. A percepção geral é que as posições se cristalizaram e mais avanços estão ainda mais difíceis.

Todos nós sabemos que o progresso só será atingido se todas as partes agirem ao mesmo tempo. Por exemplo, os Estados Unidos precisam fazer cortes significativos nos seus subsídios agrícolas; a União Européia tem de abrir mais seus mercados para produtos agrícolas, e dos países em desenvolvimento espera-se que tomem as medidas adequadas nas áreas de mercadorias industrializadas e serviços.

Este pacto tripartite não pode ser visto como um triângulo equilátero, pois existe uma profunda desigualdade entre o nível de riqueza nos países desenvolvidos e nos países em desenvolvimento. É mais do que justo que os países mais ricos façam cortes mais profundos. E que os mais pobres entre os pobres não devam arcar com custos - eles devem apenas obter ganhos de um processo de negociação comercial que, corretamente, é chamado de Rodada de Desenvolvimento.

Outros países em desenvolvimento também precisam tomar medidas concretas em conformidade com suas possibilidades. Mas não devemos ter a ilusão de que as concessões da parte de países em desenvolvimento por si mesmas terão o poder mágico de desencadear o movimento exigido dos países ricos.

Um editorial recente publicado no International Herald Tribune sobre a condição desoladora das negociações aludiu à necessidade de "chamar os paramédicos". Eu concordo.

Estou absolutamente convencido de que chegou a hora de envolver os líderes mundiais no processo de Doha. Na próxima conferência de cúpula do G-8 a ser realizada em São Petersburgo teremos a oportunidade de discutir como dar impulso político à Rodada Doha. O sucesso da Rodada reforçará o multilateralismo. Nossa capacidade de tornar o comércio internacional mais livre e mais justo melhorará a governança global. Ao fazer isso, estaremos cumprindo nosso dever de tratar de forma coletiva os complexos desafios do mundo moderno.