Título: Exilados em festa: 'Esperei por isso toda a minha vida'
Autor: Terry Aguayo
Fonte: O Estado de São Paulo, 02/08/2006, Internacional, p. A14

Os exilados cubanos receberam com entusiasmo a notícia de que Fidel Castro delegou temporariamente o poder ao irmão e foram às ruas, dançando buzinando os carros, para comemorar o fato de que décadas de ditadura em Cuba podem estar chegando ao fim.

Mas ontem essa alegria traduzia-se em incertezas e algumas perguntas ainda sem resposta começavam a ser feitas: por que o próprio Fidel não apareceu para anunciar a doença? ele estará vivo ou morto? o que o futuro trará para as famílias cujos entes queridos estão em prisões cubanas, ou aquelas com parentes executados e enterrados em Cuba? Essas questões eram algumas que eram levantadas enquanto as pessoas tomavam seu café cubano em Versailles, uma rua popular de cafés em Little Havana, bairro de Miami. Em dias normais, Versailles é uma área com intensa atividade ao longo da 8th. Street, ou Calle Ocho, como é conhecida pelos exilados cubanos.

"Meu Deus, isto é de fato uma coisa importante", disse Felipe Mendez, de 69 anos, que deixou Cuba em 1980. "Estamos todos esperando para ver o que vai acontecer. Mas acho que ainda teremos de esperar um pouco", disse.

Segundo o comunicado lido na tevê cubana, Fidel delegou o poder a seu irmão depois que foi "submetido a um intenso estresse e sua saúde ficou debilitada".

Fidel não apareceu na televisão, o que muitos acham algo fora do comum, pois ele sempre informou pessoalmente seus problemas de saúde. Com quase 80 anos, esta é a primeira vez que Fidel delega o poder em 47 anos de governo. Quem assumiu foi seu ministro da Defesa, Raúl Castro que, pela Constituição, o sucederá no governo.

Em Versailles, os cubanos vão e vêm, especulando sobre o assunto e trocando idéias. Alguns com esperanças no futuro, outros lembrando parentes e amigos oprimidos ou executados. Muitos se perguntam se Fidel já não estaria morto e as autoridades necessitando de algum tempo para preparar as pessoas para a perda, numa lenta transição.

Muitos desses cubanos reunidos em Versailles fugiram de Cuba, como outros milhares antes e depois deles, atravessando o perigoso Estreito da Flórida, para chegar à costa dos EUA. Com isso, o sul da Flórida é hoje a região com a maior concentração de exilados cubanos nos EUA.

Mario Valle, 66 anos, empresário aposentado que veio de Cuba para Miami em 1973, disse que os exilados cubanos esperam pela notícia há muito, muito tempo. "Achei que ia morrer na noite passada", disse, concluindo que "não existe outra solução para Cuba a não ser a morte de Fidel".

Para os cubanos nascidos em Miami, o fato repercutiu em todas as gerações. "Significa muito para minha família", disse Christian Lopez, de 23 anos nascido em Miami. "Espero por isso durante toda a minha vida."

Como outros, Lopez também se pergunta se Fidel já estaria morto ou para morrer, "mas eles não estão dispostos a tornar isso público", disse.

Muitos exilados estão otimistas, mas cautelosos. É o caso de Marcos Gonzalez, 60 anos, para quem "ainda não é o final, mas pode ser o começo do fim".

Em Cuba, as pessoas demonstram coragem. Os músicos continuam tocando para os turistas e nas faixas colocadas nos prédios durante recente feriado em Cuba, pode-se ler "Que Fidel viva por mais 80 anos".

Em Miami os exilados cubanos vivem numa comunidade muito fechada, ligada pelas experiências e lembranças partilhadas. Muitos deixaram parentes em Cuba e começaram do zero nos EUA, ou tiveram amigos ou familiares executados ou presos por terem se manifestado contra o governo. Alguns não vêm seus parentes há 40 anos. Mónica Suárez, de 57 anos que chegou aos EUA há 32 anos, disse esperar que os dias sombrios sob a ditadura de Fidel em breve acabarão. "Nós só podemos comemorar", disse. "Ele é um tirano que há 40 anos oprime nosso povo."