Título: 'O Líbano é refém do Hezbollah'
Autor: Raguida Dergham
Fonte: O Estado de São Paulo, 23/07/2006, Internacional, p. A21

Walid Jumblatt, representante da comunidade drusa no Parlamento libanês

Figura de destaque da comunidade drusa libanesa e membro do Parlamento, Walid Jumblatt tem sido um dos mais severos críticos da interferência síria no Líbano. Ele conversou quarta-feira em Beirute com Global Viewpoint.

O Líbano parece estar sendo mantido como refém. Mas ele é refém de Israel ou do Hezbollah?

O Líbano foi feito refém pelo Hezbollah. A captura dos dois soldados israelenses envolveu o Líbano no eixo do Hezbollah, Síria e Teerã. Ao declarar guerra unilateralmente sem consultar o governo libanês, o líder do Hezbollah, xeque Hassan Nasrallah, provocou uma retaliação em massa destrutiva de Israel contra o Líbano. E forneceu o pretexto a Israel. Nasrallah colocou o Estado libanês, a única democracia árabe na região, em risco. O Líbano foi libertado da ocupação de Israel. Tudo que o Líbano quer é estabelecer sua autoridade em todo o seu território. Ao criar e manter sua milícia, o Hezbollah, um Estado dentro do Estado, está violando a soberania libanesa e impedindo o Exército libanês de ir para o sul.

O sr. acha que Nasrallah cometeu um erro de cálculo e não esperava essa matança? Ou acha que ele previu isso? Neste caso, com que finalidade? O que está por trás de tudo isso?

Não sei se Damasco ou Teerã esperavam essa retaliação maciça de Israel. Mas, até onde consigo entender, creio que os iranianos tentam dizer aos americanos e ao Conselho de Segurança da ONU: "Se vocês querem discutir a questão nuclear, vamos discutir o Líbano. Podemos declarar guerra nas fronteiras do Líbano (contra) os EUA" - o que significa contra Israel. O regime sírio tenta afastar a possibilidade de um tribunal internacional investigar o assassinato do ex-primeiro-ministro libanês Rafic Hariri. Criando a guerra e o caos no Líbano, a solução deste caso poderá ser retardada. Se (a Síria) puder sabotar o processo do tribunal de alguma forma, fará isso. O tribunal internacional é o único meio de punir e deter o regime sírio. Resumindo, tanto sírios como iranianos estão combatendo os americanos através de terceiros no Líbano, beneficiando-se do Hezbollah.

Qual sua opinião sobre as propostas de cessar-fogo e estabelecimento de uma nova força internacional vigorosa sob auspício da ONU?

Qualquer cessar-fogo deve ocorrer em condições negociadas com o Estado libanês. O Exército libanês deveria se concentrar no sul e, com a ajuda dessa força internacional, desmantelar a milícia do Hezbollah e incorporá-la ao Exército libanês. Uma zona-tampão deveria ser instalada ao longo da fronteira israelense. A força internacional também ajudaria a autoridade libanesa a estabelecer a segurança na parte sul do Líbano. Não há nenhuma solução a não ser esta. Precisamos fortalecer a autoridade libanesa no sul, depois sobre todo o país. Isto tirará dos israelenses qualquer pretexto para nos atacar por causa dos mísseis do Hezbollah.

O Exército libanês e uma força internacional conseguirão desmantelar as milícias do Hezbollah?

Se as milícias não forem desmanteladas e se não for mobilizada essa força internacional, então, mesmo que haja um cessar-fogo, o Hezbollah, estimulado pelo regime sírio ou apoiado pelo Irã, pode provocar uma guerra a qualquer hora e sob qualquer pretexto.

Qual a sua maior preocupação neste momento?

Minha maior preocupação é que o presidente sírio, Bashar Assad, pense que, criando o caos no Líbano, conseguirá nos destruir. Parece que ele está dizendo ao Líbano: "Vocês se atreveram a nos expulsar depois do assassinato de Hariri, então terão de pagar o preço." Isso me lembra de quando Assad disse a Hariri em 2004 que, "se (o presidente francês) Jacques Chirac quiser que eu saia, destruirei o Líbano". Ao estimular o Hezbollah contra Israel, ele (Assad) deixou essa tarefa para Israel.

Parece que tanto a Síria como Israel ganharam o dia à custa do Líbano e nenhum deles será punido?

Temo isso, a menos que a comunidade internacional concorde em proteger a única democracia no Oriente Médio árabe, que é o Líbano, enviando uma força internacional para nos proteger de dois vizinhos hostis: sírios e israelenses.

O que o Líbano precisa dos EUA, Europa, Rússia e ONU no aspecto diplomático mais amplo?

A comunidade internacional deve reativar uma solução idônea para a questão palestina baseada na troca de terra por paz, na remoção das colônias, na derrubada desse horrível muro na Cisjordânia. Isso poderia dar credibilidade a toda a comunidade internacional. Isso vai impedir radicais e extremistas de sabotarem os moderados no Oriente Médio. E eliminará o pretexto usado pelos iranianos e sírios.

E se isso não acontecer?

Se não se encontrar uma solução para a questão palestina, o que restará são os regimes totalitários da Síria e do Irã agindo como quiserem. E todos os regimes moderados estarão em perigo.