Título: Muito além de um 'pacto social'
Autor: Tim Wegenast
Fonte: O Estado de São Paulo, 27/10/2006, Espaço Aberto, p. A2

Recentemente, participei de uma reunião em Barcelona na qual foram debatidas políticas econômicas com o intuito de influenciar a agenda da XVI Cúpula Ibero-Americana de chefes de Estado e de governo. No estilo 'diga aonde você quer chegar e eu lhe mostro como', discutiram-se os problemas de praxe, exigindo-se as soluções costumeiras. O documento final sugere aos países da região que aproveitem a atual conjuntura econômica para combater a pobreza por meio de pactos nacionais que incluam reformas fiscais.

Nenhum keynesiano convicto se contraporia a reformas fiscais num país como o Brasil, cuja carga tributária é comparável à de muitos países desenvolvidos, embora seu destino permaneça velado aos contribuintes. Acredito, contudo, que o foco central para a redução da pobreza e da desigualdade social não resida na redistribuição da renda mediante políticas fiscais, mas, sim, em políticas sociais. Caso o leitor associe o seguinte apelo por mais saúde e educação a uma piada antiga, desculpe-me, mas, em época de eleição, estamos todos rindo à toa.

Comecemos pela educação, cujo papel vai além do prognosticado pela Teoria do Capital Humano. É, sobretudo, um canal de coesão e mobilidade social. Promovendo a educação, rompe-se um ciclo vicioso entre desigualdades educativas, políticas e de renda e se formam cidadãos capazes de controlar o comportamento de políticos. No Brasil, produzimos políticas educativas focadas exclusivamente na expansão da escolarização. Há décadas tomamos a universalização do ensino básico como objetivo, em vez de garantir que as crianças aprendam a ler e escrever.

Com a preocupação do Executivo em mostrar resultados a curto prazo para satisfazer o eleitorado, políticos limitam-se a expor estatísticas de alunos matriculados, novas escolas construídas, material escolar comprado ou professores contratados. Fato este que é agravado pela forte resistência dos sindicatos a reformas educativas mais profundas. O problema fundamental da educação básica no Brasil não são os baixos índices de acesso ou a falta de escolas, e sim o alto porcentual de alunos repetentes e a péssima qualidade do ensino.

Lula e Alckmin dão destaque à 'educação de qualidade' em suas respectivas campanhas eleitorais. O candidato do PT promete aumentar em dez vezes os recursos para o ensino básico via Fundeb, ampliar o ensino médio e criar 32 escolas técnicas. O seu adversário do PSDB fala em contratar mais professores, ampliar a carga horária e universalizar o aceso à pré-escola. Resta esclarecer o que essas propostas têm que ver com qualidade de ensino. Melhor seria pensar em certificação de professores, pedagogias corretas de alfabetização ou avaliações externas do desempenho escolar.

A desproporcionalidade nos gastos é a outra grande mazela do sistema educativo brasileiro. Segundo dados recentes da OCDE, os gastos por aluno no ensino superior brasileiro são quase 12 vezes maiores que os gastos por aluno destinados à educação primária. É a cota mais alta entre todos os países ligados à OCDE. Sobretudo, esses recursos relativamente altos destinados ao ensino superior privilegiam uma pequena minoria da população de renda mais elevada, um ensino público e gratuito de elite.

Por meio do ProUni, tanto Lula quanto Alckmin pretendem democratizar o acesso à educação superior. É de esperar que o prometido aumento dos recursos federais para a universidade venha em detrimento dos demais níveis educacionais. Com isso o governo joga dinheiro pela janela, tentando encobrir a própria ausência na infância de milhões de brasileiros. Se quisermos universitários preparados de todas as classes sociais, necessitamos de gastos mais eficientes que garantam a qualidade do ensino básico. Sabe-se que a formação de conhecimentos cognitivos e, principalmente, não-cognitivos se dá cedo na vida. Quanto mais tempo esperarmos para remediar antigos déficits, mais caro e incerto será o tratamento.

Outro bom exemplo de que no combate à pobreza é melhor prevenir que remediar é a saúde pública. Segundo a Fundação Getúlio Vargas, 5% da população brasileira conseguiu superar a linha de pobreza entre os anos 2003 e 2005. Não se deve esquecer, porém, que diariamente muitas famílias caem abaixo dessa mesma linha. A principal causa para esse fato é a falta de um sistema de saúde público eficaz. Como demonstra recente estudo coordenado por Anirudh Krishna, da Universidade de Duke (EUA), enfermidades e os altos custos do sistema de saúde são vistos como a principal causa de endividamento, falência pessoal e pobreza em vários países subdesenvolvidos.

O governo brasileiro precisa prevenir que famílias deslizem para a pobreza, proporcionando um sistema de saúde acessível, pagável e de confiança. Doze anos após a introdução do Programa de Saúde da Família, o modelo de saúde brasileiro continua sendo assistencialista. O tratamento terapêutico em hospitais domina a estrutura dos gastos em detrimento de programas de prevenção. E, embora o programa tenha logrado incrementar a cobertura populacional, os indicadores de saúde continuam modestos e os custos, demasiado altos. Entre outras medidas, o governo deve concentrar-se na prevenção de doenças como diabete e hipertensão, proporcionar transporte a centros de atendimento e medicação para a população de baixa renda, investir no treinamento de enfermeiros e conter gastos com hospitalizações desnecessárias.

É preciso mais que um 'pacto social' para satisfazer algumas das metas aqui sugeridas. No dia 29, necessitamos de um presidente bem-intencionado, uma equipe técnica competente, um ambiente favorável a reformas que não se atenham a certos interesses particulares e talvez uma dose de ingenuidade política. A educação, a saúde e o combate à pobreza no Brasil agradeceriam.