Título: Começa a se desenhar a era dos medicamentos personalizados
Autor: Ricardo Westin
Fonte: O Estado de São Paulo, 08/10/2006, Vida&, p. A25

A era dos remédios personalizados começa a se esboçar. Contra o câncer de mama, já está no mercado uma droga que faz efeito só nas mulheres cujo tumor tem excesso de proteína HER-2. Na mesma linha, há remédios contra hepatite, linfoma, leucemia, diabete e fibrose cística, por exemplo.

O avanço ainda é tímido, mas promete provocar uma revolução na saúde. Só nos EUA há 418 medicamentos desse tipo em fase avançada de desenvolvimento para cem doenças, como aids, asma, problemas cardíacos e cânceres.

Até pouco tempo atrás, as drogas eram criadas às cegas, por tentativa e erro. O antibiótico penicilina foi descoberto quando se notou, nos anos 20, que o bolor Penicillium matava bactérias. O captopril, para hipertensos, depois que se percebeu, na década de 40, que pessoas picadas por jararaca sofriam queda de pressão, pelo veneno. 'Era muito empírico', diz Kald Abdallah, do laboratório Bristol-Myers Squibb.

Agora se conhece cada vez mais detalhes do funcionamento das células - nem todo câncer de mama é igual. Isso abre caminho para descobrir quais são os genes e as proteínas que provocam as doenças e atacá-los diretamente, sem atingir partes sadias do organismo. 'Um medicamento não funciona em todos os pacientes. Isso ocorre porque as pessoas são diferentes do ponto de vista molecular', explica Everson Nogoceke, cientista do laboratório Roche.

O mapeamento do genoma, há cinco anos, já serve de base para as pesquisas dos laboratórios farmacêuticos, embora ainda não haja muito de concreto. O que já se consegue é anular os efeitos de algumas proteínas produzidas pelos genes defeituosos. No caso do câncer de mama, os cientistas descobriram que algumas mulheres tinham em comum um excesso de proteína HER-2, o que faz com que as células se multipliquem indefinidamente. A indústria farmacêutica criou um anticorpo que se cola no HER-2 e impede sua ação.

O tratamento específico é mais vantajoso que o convencional. Na quimioterapia contra o câncer, destroem-se todas as células que se multiplicam - incluindo as do sangue, do cabelo e da mucosa da boca e do intestino, o que provoca os efeitos colaterais.

O avanço é parecido nas drogas contra a rejeição de um órgão transplantado. Antes o paciente tomava um corticóide que anulava dezenas de ações do sistema imunológico, o que aumentava o risco de infecções. Agora se sabe qual é a proteína responsável pela rejeição. Com o novo medicamento, apenas ela é anulada.

FARMACOGENÉTICA

Aos poucos, os cientistas vão descobrindo quais são os genes responsáveis por certas doenças, como a obesidade e a depressão. O objetivo é, no futuro, criar um medicamento que anule a ação desses genes. Como nem toda obesidade ou depressão é causada pelo mesmo gene, haveria medicamentos específicos para cada tipo. Será a personalização - um tratamento para cada subpopulação com genes parecidos.

Isso, porém, não ocorrerá em menos de 20 anos. 'Ainda nos falta tecnologia para chegar lá', diz João Fittipaldi, diretor do laboratório Pfizer.