Título: Governo precisa cortar R$ 3 bi para fechar contas
Autor: Ribamar Oliveira
Fonte: O Estado de São Paulo, 15/10/2006, Nacional, p. A6

Gastos extras com aumentos para servidores e elevação do mínimo deixam Executivo em risco de não cumprir o estabelecido na LDO

O governo terá de cortar pelo menos R$ 3 bilhões de suas despesas correntes programadas para este ano, se quiser cumprir a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) válida para 2006. Os gastos extras autorizados pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que a oposição considera eleitorais - como os aumentos salariais dados a várias categorias de servidores públicos e a elevação de 16,6% para o salário mínimo, entre outros -, colocaram o governo em risco real de não-cumprimento da legislação em vigor.

Se a LDO não for obedecida, o presidente terá de responder a questionamento jurídico por crime de responsabilidade, alertaram vários especialistas consultados pelo Estado. Fonte do governo assegura, no entanto, que não existe a hipótese de não-cumprimento da LDO de 2006 e que os cortes necessários serão realizados depois do segundo turno da eleição presidencial.

O problema foi identificado pelas Consultorias de Orçamento da Câmara e do Senado e será objeto de nota técnica, a ser divulgada nos próximos dias. O cálculo feito pelos consultores Márcia Rodrigues e José Consentino prevê, na verdade, um corte de R$ 8,6 bilhões nas dotações das despesas correntes autorizadas para este ano - que abrangem o valor previsto na lei orçamentária mais os créditos adicionais.

O governo garante, porém, que já fez uma reserva de R$ 5,7 bilhões, que não pretende gastar, embora tenha autorização para tanto. Assim, além de não gastar a reserva, ele terá de cortar outros R$ 3 bilhões para atender à LDO. Os técnicos das consultorias advertem para o fato de que esse corte poderá ser maior ainda, se os governadores exigirem que a compensação aos Estados pela desoneração do ICMS promovida pela Lei Kandir atinja R$ 5,2 bilhões este ano. A estimativa de corte de R$ 3 bilhões é com base na compensação aos Estados de apenas R$ 3,9 bilhões.

O problema que o governo terá de resolver decorre dos limites, fixados na LDO válida para este ano, de 16% do Produto Interno Bruto (PIB) para a arrecadação dos tributos federais e de 17% do PIB para as despesas correntes. As despesas correntes não incluem os investimentos e os pagamentos de juros. Os limites foram propostos pela equipe econômica, que na época era comandada pelo ex-ministro da Fazenda Antônio Palocci.

CONTROLE

O Congresso 'flexibilizou' os dois limites e permitiu que a receita com tributos federais que superasse os 16% do PIB fosse utilizada no pagamento de despesas obrigatórias. Na época, os especialistas em finanças públicas e consultores do mercado criticaram os parlamentares, com o argumento de que mais uma vez o Congresso se negava a controlar os gastos. A realidade deste ano mostra, no entanto, que o governo Lula pode não cumprir nem mesmo o 'limite frouxo' para as despesas definido pelos deputados e senadores.

A previsão do próprio governo para a arrecadação dos tributos federais, administrados pela Secretaria da Receita Federal, é de 17,2% do PIB - ou seja, 1,12 ponto porcentual acima do limite de 16% do PIB definido na LDO. O dado consta do relatório de avaliação do cumprimento da meta de superávit primário, referente ao segundo quadrimestre de 2006, encaminhado pelo governo ao Congresso na semana passada. O excesso exclui as receitas atípicas, que ocorrem uma única vez.

Como o excesso da arrecadação é de 1,12% do PIB, as autorizações para as despesas correntes primárias só podem chegar a 18,12% do PIB - ou seja, 17% do PIB previsto na LDO mais 1,12% do excesso. Ocorre que as dotações para as despesas correntes primárias estão, neste momento, em 18,53% do PIB, segundo estimativa das consultorias do Senado e da Câmara. Por isso, o corte terá de ser de 0,41% do PIB (18,53% menos 18,12%) ou cerca de R$ 8,6 bilhões para que o governo cumpra a LDO.

Como o governo diz que fez uma reserva de R$ 5,7 bilhões que não utilizou em gastos, o corte ficaria reduzido a cerca de R$ 3 bilhões. O corte poderá crescer também, observam as consultorias, porque o valor estimado para o PIB prevê crescimento real de 4% para a economia este ano, o que o mercado considera que não ocorrerá.

O agravante da situação é que o governo não poderá, desta vez, cortar os investimentos, que não são considerados gastos correntes. Ele terá de cortar apenas despesas correntes primárias, que são aquelas relacionadas com o pagamento de salário dos servidores, de benefícios previdenciários, de benefícios assistenciais, com o custeio da máquina, entre outros. Os técnicos envolvidos na discussão consideram difícil que os cortes não afetem as áreas de saúde e de educação, que representam uma parte significativa das despesas correntes do governo federal.