Título: Novo presidente terá de diminuir desigualdades no sistema de saúde
Autor: Lígia Formenti
Fonte: O Estado de São Paulo, 03/09/2006, Nacional, p. A10

Seja quem for o vencedor da eleição presidencial, se verá diante de um desafio: o sistema público de saúde é marcado por desigualdades, reunindo exemplos de experiências bem-sucedidas e carências vergonhosas. O Brasil tem um programa exemplar de vacinação infantil e de idosos, é campeão mundial em número de transplantes feitos em serviços públicos de saúde, é sempre elogiado pelo programa de combate à aids. Ao mesmo tempo, é vice-campeão de hanseníase, doença que, pelo compromisso firmado pelos governantes brasileiros, já deveria ter sido extinta em 2000. Há ainda o aumento de casos de tuberculose, considerado pelos próprios especialistas como ¿vergonhoso¿. E o Brasil tem entre suas principais causas de morte duas doenças preveníveis na maioria dos casos: o ataque cardíaco e a hipertensão.

¿Extrapolamos a clássica diferença das Regiões Sul e Sudeste, mais desenvolvidas, e Norte e Nordeste, as mais sofridas¿, conta o professor Ruy Laurenti, da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo. ¿As desigualdades são encontradas dentro das próprias cidades. É preciso providenciar um sistema especializado para atender a população que envelhece, não descuidar da mortalidade infantil. Cuidar do saneamento e não deixar que falte remédio para doenças graves. É fazer opções, pois o dinheiro é finito¿, avalia o professor.

São Sebastião, cidade-satélite de Brasília, reflete as desigualdades da saúde. A menos de 20 quilômetros do bairro mais rico da capital federal, o Lago Sul, a cidade tem ruas de terra e é numa delas que mora a família de Maria dos Santos de Oliveira, de 68 anos, viúva há quatro anos, depois de seu marido sofrer um derrame. Ele nunca havia sido alertado sobre uma possível hipertensão.

Uma das netas de Maria, Gabriela, de 17 anos, mãe de uma menina de um ano e meio, está grávida do segundo filho. ¿Tudo no posto é muito difícil, demorado. Acabei relaxando e engravidei.¿ A poucos quilômetros mora a doméstica Noeli José da Fonseca. A família, incluindo marido e dois filhos, vão sempre ao posto de saúde e não têm queixa do atendimento.

As diferenças destas duas famílias não espanta epidemiologistas. Maria é negra e seus netos, pardos. Noeli é branca. Pelos números atuais, negros, índios e brancos nascem, adoecem e morrem em freqüência e por razões diferentes. ¿A desigualdade é causada muitas vezes somente pela cor, todos têm o mesmo nível social¿, relata Maria de Fátima Marinho de Souza, da Secretaria de Vigilância do Ministério da Saúde. Para a especialista, é preciso dar tratamento dirigido a grupos mais vulneráveis. ¿Senão, as diferenças vão continuar.¿