Título: Pólos setoriais lutam para sobreviver
Autor: Patrícia Campos Mello
Fonte: O Estado de São Paulo, 06/08/2006, Economia, p. B4

Prioridade do governo, arranjos produtivos sofrem com o real forte

Patrícia Campos Mello

Os arranjos produtivos locais, uma das prioridades do governo Lula para aumentar as exportações de pequenas empresas, estão lutando para sobreviver. Consórcios de pequenos exportadores de calçados, vestuário e móveis, inspirados no modelo italiano, foram duramente afetados pela queda do dólar e pela concorrência chinesa.

Segundo levantamento de Fernando Ribeiro, economista-chefe da Fundação Centro de Estudos do Comércio Exterior (Funcex), 938 pequenas e microempresas deixaram de exportar em 2005. Muitas eram integrantes dos arranjos produtivos, que reúnem em um mesmo local várias empresas do mesmo setor.

É a primeira vez, desde 1998, que cai o número de pequenos exportadores. ¿Há um trabalho forte de incentivo do governo para atrair essas empresas para a exportação, mas a força do câmbio é grande¿, diz Ribeiro.

Para calçadistas de Nova Serrana, Birigüi e Vale dos Sinos, moveleiros de Mirassol e confeccionistas de Ibitinga, o sonho de conquistar o mercado externo está mais longe. Para ajudá-los, o Sebrae do Rio Grande Sul até lançou, na quinta-feira, uma cartilha dedicada aos calçadistas do arranjo produtivo do Vale dos Sinos e do Vale do Paranhana: Dicas de Sobrevivência na Crise - recomendações para pequenas empresas do setor calçadista.

¿O pessoal está muito desmotivado; há muitos empresários procurando outras áreas de atuação¿, diz André Anele, coordenador de projetos do Arranjo Produtivo Local de Vale dos Sinos e Vale do Paranhana.

Há cerca de 7 mil empresas da cadeia couro-calçadista na região, das quais 600 estão dentro do arranjo. A grande maioria é de pequenas empresas que não têm marca própria e faziam calçados para grandes redes dos Estados Unidos - os americanos mandavam o modelo e os brasileiros fabricavam. Agora, eles encomendam os calçados da China.

¿O empresário precisa ver que a única chance de continuarmos exportando é posicionar o sapato brasileiro entre o chinês, de massa, e o italiano, de luxo¿, diz Anele. Mas a transição não é fácil. Fabricar um calçado mais sofisticado exige design e tempo, e isso custa dinheiro.

Com a crise da exportação, muitas empresas do arranjo produtivo se voltaram para o mercado interno. A Calçados BBC, da cidade de Três Coroas (RS), chegou a exportar 14% da produção. Hoje, só exporta 5%. ¿Foquei o trabalho para o mercado interno¿, diz Arnaldo Moraes, presidente da Calçados BBC. ¿A gente foi perdendo os clientes estrangeiros e os que sobraram reduziram os pedidos.¿ Hoje, Moraes se sente aliviado por não ter decidido se tornar eminentemente exportador, como muitas outras empresas do pólo. ¿Quem se voltou totalmente para exportação fechou.¿

Segundo Ribeiro, da Funcex, o prejuízo com a saída das pequenas empresas é pequeno em termos de valor exportado - redução de apenas 3% do total. ¿Mas a tendência é muito negativa em termos do dinamismo das exportações; é importante ter um aumento da base exportadora¿, diz Ribeiro.

Em Ibitinga, arranjo que reúne 37 pequenos fabricantes de roupa de cama, mesa e banho, além de enxovais de bebê, as empresas só conseguem exportar para países que não têm muitos concorrentes e onde o mercado ainda não esteja maduro, como, por exemplo, Angola, na África, e América do Sul.

¿Nos Estados Unidos e na Europa, os produtos de Ibitinga não são competitivos por causa da forte concorrência dos asiáticos, principalmente China, Índia e Paquistão¿, diz Jacira Iadocicco, gestora do APL de Ibitinga.