Título: Uma nova goleada da urna eletrônica
Autor: Gabriel Manzano Filho
Fonte: O Estado de São Paulo, 30/10/2006, Nacional, p. H18

Sistema deu nova mostra de eficiência ontem, mas ainda causa polêmica

Foi uma goleada histórica, e só não surpreendeu porque já está se tornando rotina. Em cinco horas e meia, na noite de ontem, a Justiça Eleitoral brasileira processou um total de 101,9 milhões de votos - ou 99,95% do eleitorado brasileiro, chegando a uma média de 308,9 mil votos apurados por minuto, ou 5.150 por segundo.

Com um exército de 15.200 técnicos e coordenadores, que atenderam aos pouquíssimos problemas nas mais de 380 mil seções eleitorais, o Tribunal Superior Eleitoral repetiu o que já havia feito no primeiro turno, há 28 dias. ¿Foi a votação mais rápida da história¿, confirmou o secretário de Tecnologia do TSE, Giuseppe Janino. Apenas como comparação, em 1994 a apuração demorou duas semanas.

A velocidade das notícias, a partir das 18 horas, era difícil de acompanhar. As 18h20 já estavam apurados 91% dos votos no Paraná - quando na Paraíba outras 140 cidades já haviam encerrado os trabalhos. Disputas que em outros anos seriam dramáticas, hora a hora, como a da virada de Roberto Requião (PMDB) sobre Osmar Dias (PDT), ficaram espremidas em 30 ou 40 minutos. Algo parecido aconteceu no primeiro turno. Os candidatos Germano Rigotto, no Rio Grande do Sul, e Paulo Souto, na Bahia, nem tiveram tempo de perceber que a luta seria difícil: quando se deram conta, o combate já tinha terminado - e eles de fora.

A principal notícia do dia, a confirmação da vitória do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, foi dada por volta das 19h30: já estavam apurados 88 milhões de votos (91%) e o presidente tinha 53,2 milhões contra 34,7 milhões de Geraldo Alckmin. Também naquele momento já estavam eleitos os governadores de 6 dos 10 Estados onde houve segundo turno.

`ACABOU O ROMANTISMO¿

¿Essa velocidade traz, por si própria, um enorme avanço, que é a eliminação das fraudes¿, diz o advogado Fernando Augusto Rodrigues, ex-diretor-geral do TSE e que por 40 anos viveu as eleições no TRE paulista. Boa surpresa da modernidade: os abusos eleitorais foram eliminados não pelo avanço da cidadania, ou pela rigorosa fiscalização policial, mas simplesmente pela rapidez do processo de apuração.

Rodrigues conta, a propósito, um episódio dos anos 90, quando o TSE reuniu diretores de todos os tribunais dos Estados para um balanço da urna eletrônica e um dos convidados começou a conversa com um lamento brincalhão: ¿Que pena, acabou o romantismo¿, dizia ele. ¿A turma lá no meu Estado estava acostumada a atravessar a noite enchendo as urnas. Agora não tem graça.¿

No entanto, apesar dessa revolução eleitoral, a urna eletrônica não é ainda uma unanimidade. A cada apuração reaparecem as críticas, não de políticos derrotados, mas de especialistas em informática, para os quais o sistema pode ser rápido, mas não é seguro.

Uma das principais queixas é que, se houver irregularidade, não há como fazer uma auditoria independente. A Justiça Eleitoral não divulga os segredos, como o código-fonte ou os sistemas criptográficos que utiliza, e os poucos recursos apresentados até hoje foram rejeitados pelos tribunais. Outra razão das desconfianças: se alguém introduzir na urna um software estranho, ela continuará funcionando normalmente, sem registrar o ocorrido. ¿A urna digital não tem nada de seguro. Nada digital é seguro¿, resumiu em recente artigo um especialista em informática, Pedro Dória.

A essas queixas somou-se, no mês passado, um professor de computação da Universidade de Princeton (EUA), Edward Felten. Ele analisou detalhadamente uma urna da empresa Diebold, que fornece para o TSE (não o mesmo modelo) e concluiu que ¿softwares falsos podem ser inseridos na máquina e mudar os dados sem deixar nenhuma pista.¿

¿Tem um grupo que fala muito e conhece pouco do assunto', responde o secretário-geral do TSE. Para Janino, ¿não é o hardware que torna o sistema seguro, mas todo o sistema montado no entorno da urna, que a torna inatingível¿. O advogado Rodrigues entra na briga: a primeira das garantias, diz ele, é que as urnas não são ligadas em rede. Cada uma é autônoma e seus 300 ou 400 votos vão direto para a contagem geral, num processo cercado de códigos criptografados e sistemas de reconhecimento de autenticidade, a cada passo. ¿Hackers fazem estragos quando entram em grandes redes, mudando informações em larga escala¿, adverte o ex-diretor-geral do TRE. ¿O trabalho de interferir numa única urna é tão difícil e afetaria um número tão pequeno de votos que o risco não valeria a pena.¿

Além disso, antes de começar a votação, de manhãzinha, em cada seção se faz uma importante operação chamada zerésima. É uma consulta prévia que faz a urna emitir um boletim com o nome de todos os candidatos e indicando zero voto para cada um. Isso é checado pelos fiscais e partidos e sem a zerésima, a máquina não funciona. Sobre o desinteresse de outros países, Rodrigues esclarece: talvez em nenhum deles exista uma Justiça Eleitoral federal forte, em nível nacional, capaz de definir as prioridades e obter recursos como ocorre no Brasil, onde só este ano foram gastos R$ 600 milhões. ¿Cada sociedade escolhe se é importante gastar dinheiro com isso¿, avisa o advogado.