Título: Como salvar a amazônia?
Autor: José Goldemberg
Fonte: O Estado de São Paulo, 17/10/2006, Espaço Aberto, p. A2

O que está ocorrendo na Amazônia nas últimas décadas é um exemplo dramático do conflito que existe entre a utilização de recursos naturais e a preservação do meio ambiente. A população local e as empresas que operam naquela região têm uma visão pragmática e de curto prazo em relação ao uso da floresta.

Na Amazônia a terra é barata e ao alcance da mão. E com poucos recursos se pode desmatar uma grande área a baixo custo, vender parte da madeira, queimar o resto e ¿soltar uns bois no pasto¿, num tipo de uso do solo extremamente ineficiente, com menos de uma cabeça por hectare. Após algum tempo, a terra pode ser usada para plantações de soja, utilizando técnicas de mecanização, já que a terra é plana. Às vezes podem ser necessários produtos químicos apropriados para adequar a terra a esta cultura, mas empresas que atuam no setor já se mostraram preparadas para fazer os investimentos necessários e garantir a compra do produto.

Para muitos ambientalistas, contudo, a destruição da floresta amazônica, que prossegue em ritmo acelerado, terá conseqüências sérias, que tornarão o Nordeste mais seco e reduzirão a precipitação de chuvas no Sudeste e na própria Amazônia, além da imensa perda da biodiversidade que a floresta amazônica abriga.

Estas conseqüências negativas só aparecem a médio e longo prazos, sobretudo porque os atingidos e prejudicados com a perda da biodiversidade, perturbações no ciclo hidrológico e, em última análise, mudanças climáticas no Nordeste e no Sudeste não são os responsáveis por elas. Este é um conflito típico entre os interesses imediatos da população local envolvida e os interesses difusos do resto do País, que cabe ao governo federal mediar.

Apesar do muito que se tem escrito (e pesquisado) sobre biodiversidade da Amazônia e suas riquezas, além de outros serviços ambientais, a crua realidade é que a exploração e o uso das reservas florestais têm sido feitos principalmente ao longo de três linhas tradicionais:

Extração predatória de madeira nobre;

¿manejo sustentável¿ (o que, na verdade, não ocorre);

desmatamento e avanço da fronteira agrícola para pastagens e cultura de soja.

A extração de madeira no mundo ocorre principalmente na Indonésia (com 27% da produção mundial), na Malásia (21%) e no Brasil (20%). A contribuição da Amazônia ao mercado internacional tem sido modesta, apesar de produzir aproximadamente 25 milhões de metros cúbicos de madeira por ano. As razões para isso são várias, incluindo a exploração concentrada em poucas espécies conhecidas pelo mercado, a falta de infra-estrutura apropriada e, principalmente, a baixa qualidade da madeira produzida na Amazônia, devido ao baixo nível tecnológico, o que resulta em grande desperdício: apenas 30% de uma tora é aproveitado, ou seja, 70% vira lixo urbano e rural.

Lamentavelmente, apesar de se falar muito em manejo sustentável, apenas uma pequena fração das áreas que estão nesta categoria no mundo produzem uma renda satisfatória e, por falta de fiscalização e infra-estrutura, acabam se convertendo a atividades predatórias. É por essa razão que a iniciativa do atual governo de promover desenvolvimento sustentável por meio do arrendamento de florestas públicas é controvertida e tem, no fundo, um caráter experimental de pequeno vulto, enquanto ¿corre solto¿ o desmatamento predatório, com o desnudamento de uma área de 20 mil quilômetros quadrados por ano, maior que o Estado de Alagoas.

Várias soluções para os problemas da Amazônia têm sido sugeridas, algumas completamente irrealistas, como a de simplesmente preservar aquela região como um museu vivo, ignorando que lá vivem 20 milhões de brasileiros. Outras são ingênuas, como a de tratar a Amazônia como se fosse a Costa Rica, onde a preservação das florestas dá origem ao ecoturismo, atraindo visitantes dos Estados Unidos. O território da Costa Rica é cem vezes menor do que a Amazônia Legal. É por essa razão que as doações bem-intencionadas de áreas para preservação de alguns milhares de hectares no Paraná ou em outras partes do País são louváveis, mas não têm maior significado diante do tamanho do problema na Amazônia.

Já a criação de unidades de conservação na Amazônia pelo governo federal é significante: existiam milhões de hectares nesta categoria e o atual governo criou outras. O problema é protegê-las. As unidades de conservação da Amazônia têm em média um guarda-parque (ou equivalente) por 100 mil hectares, enquanto a média mundial é 27 vezes maior. Esta é uma ação urgente que o novo governo deverá equacionar, e poderá ser uma solução parcial para o problema da preservação da floresta.

O que se poderia fazer é implantar na Amazônia pólos de desenvolvimento verticalizados, que não apenas sirvam para a extração de madeira certificada, mas criem uma cadeia produtiva que exporte, para o resto do Brasil e para o exterior, produtos de maior valor agregado.

Uma área tão grande da Amazônia já foi destruída (60 milhões de hectares, ou 18% do total, que corresponde a quase três vezes a área do Estado de São Paulo) que não é necessário avançar ainda mais a fronteira agrícola para encontrar terras para cultivo de soja ou outros produtos. A ênfase daqui para frente deve ser a de recuperar áreas degradadas e subutilizadas, intensificar a pecuária, e colocá-las em condições de se tornarem produtivas. O avanço da fronteira agrícola só deve ocorrer em áreas designadas para tal, após a elaboração de um cuidadoso zoneamento ecológico-econômico, cuja execução seja fiscalizada pelo poder público e pela sociedade.

José Goldemberg é secretário do Meio Ambiente do Estado de São Paulo