Título: Conflito já é guerra civil, dizem analistas
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Fonte: O Estado de São Paulo, 17/10/2006, Internacional, p. A18

Violência sectária supera a feroz insurgência iniciada há três anos por sunitas e pela Al-Qaeda

Os acontecimentos dos últimos dias deixam claro que a feroz insurgência dos árabes sunitas e da Al-Qaeda, que há três anos mergulharam o Iraque no caos, passou para o segundo plano, cedendo espaço ao crescente e sangrento conflito sectário que devasta o país numa espiral rumo à guerra civil - se é que a guerra civil ainda não começou.

No 44.º mês da ocupação americana, acumulam-se evidências de que os centros de poder do Iraque - políticos e governo, polícia e militares - não conseguem ou não querem deter a violência nas regiões onde populações de sunitas, xiitas e curdos se encontram.

A violência forçou pelo menos 1,5 milhão de iraquianos a fugir do país, diz o Ministério da Migração. Outros 300 mil deixaram suas casas e se refugiaram em outras regiões iraquianas.

O chamado governo de unidade nacional anunciou que a esperada conferência de reconciliação nacional, marcada para o próximo sábado, foi adiada indefinidamente por 'razões de emergência' não especificadas. A uma semana da planejada abertura da conferência, os políticos profundamente divididos do Iraque ainda não haviam conseguido nem mesmo combinar o local da reunião.

O primeiro-ministro xiita Nouri al-Maliki assumiu o poder há pouco mais de quatro meses. Em poucos dias, apresentou um plano de 24 pontos para a reconciliação nacional. A incapacidade de realizar a conferência ilustra o fracasso de seu governo e da oposição.

O adiamento foi anunciado no primeiro aniversário do bem-sucedido referendo para a adoção da primeira Constituição pós-Saddam, saudada na ocasião como precursora de um Iraque pacífico e democrático.

No domingo, noticiava-se que pelo menos 86 pessoas haviam morrido em dois dias de massacres sectários e ataques a bomba, principalmente em Balad e Duluiyah, cidades ao norte de Bagdá. E a capital, onde a violência aleatória e esquadrões da morte fazem os engarrafamentos desaparecerem e deixam o comércio e a sociedade à beira da paralisação, parecia uma banana de dinamite com o pavio aceso.

Analistas como Anthony H. Cordesman, do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais, e Dennis Ross, estrategista dos presidentes Clinton e George Bush pai, acham que são necessários entre 15 mil e 20 mil soldados adicionais para dar aos EUA uma chance de pacificar o Iraque. E acrescentam que grandes mudanças de política são necessárias tanto em Washington quanto em Bagdá.

'O Iraque já se encontra em estado de grave guerra civil. Os atuais esforços por entendimento político e segurança estão, na melhor das hipóteses, ganhando tempo. É enorme o risco de que o país mergulhe num grande conflito civil nos próximos meses, de que seu atual governo fracasse ou de que o país se divida de alguma forma', escreveu Cordesman numa análise na semana passada.

Para Ross, a melhor solução seria, de fato, a formação de um Estado federativo, em que xiitas, sunitas e curdos governassem as áreas onde são maioria.

'O ponto de partida é reconhecer que o Iraque não será um país democrático, unificado, que sirva de modelo para a região. A violência e a divisão entre sunitas e xiitas já descartaram isso', escreveu Ross no jornal The Washington Post.

Pesquisas mostram que a proposta de divisão tem pouco apoio entre a população em geral, embora seja altamente popular entre a minoria curda.

Os curdos lutam há séculos para criar um Estado independente nos territórios onde vivem - um cinturão que passa pelo nordeste da Síria, norte do Iraque, sudeste da Turquia e noroeste do Irã.

A maioria dos políticos xiitas apóia a iniciativa, mas alguns líderes poderosos, como o clérigo antiamericano Muqtada al-Sadr, recusam-se a aceitar um plano desse tipo.

Os sunitas, que são minoritários mas tradicionalmente governavam o país até a derrubada de Saddam, opõem-se violentamente à idéia, temendo ficar sem nenhuma parte da riqueza petrolífera do Iraque. Os recursos naturais são escassos em suas terras, no centro e no oeste do país.