Título: Opção pelo gás liquefeito
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Fonte: O Estado de São Paulo, 14/08/2006, Notas e Informações, p. A3

A Petrobrás decidiu, enfim, investir pesadamente em Gás Natural Liquefeito (GNL), importando a matéria-prima dos países produtores e se associando à estatal PDVSA para a prospecção de gás natural e construção de uma unidade de liquefação do gás, na Venezuela. Além de assegurar o abastecimento aos consumidores brasileiros e complementar a produção interna, a decisão da Petrobrás é o reconhecimento implícito da necessidade de reduzir a dependência do gás boliviano, que hoje responde pela metade da oferta do insumo consumido no País.

Nos últimos 30 anos, o Brasil ampliou a participação do gás na matriz energética. Este insumo é hoje utilizado maciçamente por segmentos industriais, como o do vidro e das cerâmicas, na co-geração de energia, em shopping centers e edifícios de grande porte e complementa a demanda de combustíveis para automóveis. Além, é claro, de abastecer residências e termoelétricas.

Em 1974, o gás participava com 1% na matriz energética brasileira, passando a 3%, em 1994, e a 9,3%, em 2005. O Brasil consumiu, no ano passado, 47 milhões de m3/dia de gás, volume que tende a triplicar nos próximos 10 anos.

Para que isso seja possível, a Petrobrás reviu sua política. Primeiro, decidiu antecipar a produção nas Bacias do Espírito Santo, de Campos e de Santos. Na semana passada, seu diretor Ildo Sauer anunciou que serão realizados investimentos em gás de US$ 22,1 bilhões, até 2011, dos quais US$ 17,6 bilhões da Petrobrás e US$ 4,5 bilhões de parceiros. Em segundo lugar, a Petrobrás revelou a intenção de concluir até o final do ano a associação com a PDVSA, entrando com US$ 2 bilhões (ou 35%) de um projeto destinado a produzir até o final da década 20 milhões de m3/dia nos Campos de Mariscal Sucre, além da construção de uma unidade de GNL.

Os investimentos para permitir a importação de GNL são mais modestos. A Petrobrás investirá US$ 180 milhões na construção de instalações de ancoragem e um duto submarino na Baía de Guanabara, e de um pier no Porto de Pecém, no Ceará. E fará um edital de licitação para o afretamento de dois navios gasíferos - com capacidade de regaseificação e armazenamento no próprio navio - que só deverão ser entregues em 2008 ou 2009.

O anúncio dos investimentos é uma resposta aos críticos que consideravam inexeqüíveis as metas do Plano do Gás (Plangás). Até 2008, conforme o plano, a produção da Bacia do Espírito Santo teria de aumentar de 1,3 milhão de m3/dia, sua capacidade atual, para 16,7 milhões de m3/dia. Outros 6 milhões de m3/dia viriam da Bacia de Campos, prevendo-se ainda uma contribuição de 1,5 milhão de m3/dia do Campo de Merluza, na Bacia de Santos. "É um plano muito audacioso", admitia o diretor da estatal, Guilherme Estrella, no início do mês passado.

Não entrou no plano o Campo de Mexilhão, na Bacia de Santos - com capacidade inicial estimada entre 6 milhões e 8 milhões de m3/dia -, que só deverá operar a partir de 2009, por não estarem disponíveis no mercado os equipamentos necessários para extração.

Os investimentos da Petrobrás na Venezuela, por sua vez, se devem a uma situação de fato: naquele país estão algumas das maiores jazidas de gás e petróleo do mundo e interessa à Petrobrás ampliar suas reservas dos produtos. O mesmo motivo levou as grandes empresas petrolíferas a permanecer no país, apesar da instabilidade que o governo Hugo Chávez trouxe para o negócio.

O GNL é a melhor alternativa de médio prazo para suprir a demanda do insumo. Seu preço deverá ser competitivo com o do gás boliviano. Além disso, a importação de GNL, ao contrário do que ocorre com o gás transportado por dutos, não costuma se basear em contratos firmes - ou seja, a Petrobrás comprará apenas o que for necessário. Supõe-se, inclusive, que parte do gás extraído da Venezuela pela PDVSA e a Petrobrás poderá ser exportada para terceiros países.

O novo esquema de produção e abastecimento de gás, quando estiver plenamente operacional, reduzirá substancialmente a dependência do Brasil do gás boliviano. E, com o aumento da produção interna e os investimentos para permitir a importação de gás liquefeito de vários fornecedores, essa dependência não se transferirá para a Venezuela.