Título: Reconstrução é lenta e irrita vítimas do conflito
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Fonte: O Estado de São Paulo, 02/10/2006, Internacional, p. A4

Uma viagem para o sul de Beirute, por estradas esburacadas e bombardeadas, mostra como pouco progrediu a reconstrução de dezenas de casas devastadas pelos 34 dias de bombardeios israelenses que terminaram há seis semanas.

O dinheiro já começou a chegar, vindo de de organizações não-governamentais e de governos estrangeiros. Porém, a promessa de quase US$ 900 milhões em ajuda ainda não foi disponibilizada pelo governo libanês , cuja presença é muito pouco visível no sul do país.

O consolo para os moradores da região é que o Hezbollah, financiado pelo Irã, continua a indenizar em dinheiro cada indivíduo libanês que teve seu lar destruído. Os doadores estrangeiros que prometeram ajuda financeira na Conferência de Estocolmo, no mês passado, se mostram tão ariscos que, em vez de financiamentos, eles enviam delegações a Beirute para calcular exatamente como seu dinheiro será gasto. Determinadas a fazer os projetos avançarem, autoridades em Beirute estão simplesmente encorajando os doadores a contornar o governo central.

Os países estrangeiros aceitaram adotar 99 das 251 vilarejos danificados e deverão aplicar cerca de US$ 640 milhões nos trabalhos de reconstrução. Apenas os Estados Unidos prometeram US$ 230 milhões em assistência humanitária e no que é conhecido como sistema inicial de recuperação .

'Até agora nada do governo, nem mesmo um telefonema', disse Muhammad Azzam, prefeito de Siddiqin, pequena aldeia que teve 449 casas destruídas pelo Exército israelense. Tais comentários são repetidos, literalmente, por todo o sul do Líbano. O governo se defende, dizendo que já providenciou a volta de serviços vitais como água e eletricidade, abriu as estradas e mantém a economia funcionando. E que está colocando em funcionamento um sistema financeiro confiável e transparente para controlar a prometida ajuda internacional .

'Passou-se apenas um mês e muita coisa foi realizada', disse o ministro das Finanças, Jihad B. Azour. 'Mas as pessoas só vêem o que não foi feito.' No caso das residências bombardeadas, porém, o governo é lento na resposta. Autoridades dizem que vão pagar US$ 40 mil em dinheiro para cada casa destruída, mas não sabem quando. E o inverno se aproxima.

A população do Líbano se uniu fortemente depois da captura pelo Hezbollah de dois soldados israelenses, em 12 de julho, que levou Israel a disparar uma chuva de bombas sobre o país, destruindo pontes, aeroportos, casas, estradas e empresas. Mas a unidade libanesa é tão transitória quanto as vivas emoções provocadas pela crise.

Agora, as cicatrizes da guerra expuseram, e em alguns casos aprofundaram, muitas das fraturas do país. Alguns moradores de vilarejos cristãos, nas montanhas Shuf, por exemplo, perguntam por que os xiitas no sul receberam indenização pela perda de suas casas em menos de um mês, enquanto que muitos camponeses cristãos nada receberam quando perderam suas casas durante a guerra civil, nas década de 70 e 80.

A rigor, ninguém discute a necessidade de se reconstruir o país. O problema é como chegar lá. O governo acusa o Hezbollah de trabalhar para a Síria e o Irã. O Hezbollah acusa o governo de seguir as ordens dos Estados Unidos. Fadhl Chalak, ex-presidente do Conselho para Desenvolvimento e Reconstrução do Líbano, órgão criado ainda durante a guerra civil (1975-1990), acusa o governo de ter paralisado deliberadamente os esforços de reconstrução. 'Ao atrasar o financiamento, integrantes do governo acham que vão conseguir que os xiitas se virem contra seus líderes', disse Chalak - acusação que o governo diz ser indigna de resposta.