Título: Chávez e a ONU
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Fonte: O Estado de São Paulo, 23/10/2006, Notas e Informações, p. A3

O impasse registrado no processo de escolha do novo representante da América Latina e do Caribe no Conselho de Segurança da ONU, mais que paralisar a agenda da Assembléia Geral, mostra que a influência do presidente Hugo Chávez chegou a seu ápice e começa a declinar. Durante mais de um ano, o ex-coronel golpista fez uma intensa e cara campanha para convencer a maioria dos países membros da ONU a eleger a Venezuela para a cadeira rotativa que ficou vaga este mês. Visitou pelo menos 30 países e distribuiu no mínimo US$ 1,3 bilhão em doações, ajudas e convênios entre países que se comprometiam a apoiar a sua pretensão. Na sessão de abertura da Assembléia Geral, proclamou-se ¿representante dos povos do Sul¿ e desancou o presidente Bush - o ¿diabo¿ que havia deixado ¿cheiro de enxofre¿ na tribuna - e os Estados Unidos em termos grosseiros que, se provocaram o riso de alguns delegados, escandalizaram a todos, até porque eram uma manifestação de desprezo pela ONU.

Antes de iniciado o processo de votação, Chávez proclamava contar com mais de 100 votos firmes - e esta base garantiria os 128 votos necessários para a eleição do membro temporário do Conselho de Segurança. Realizada a primeira votação, a Venezuela recebeu menos votos que a Guatemala, a outra concorrente apoiada pelos Estados Unidos. Votação após votação - exceto a sexta, quando houve empate - a Venezuela ficou atrás.

Impasse desse tipo não é raro na ONU. Após um certo número de votações inconclusivas, geralmente os dois candidatos que não conseguem o quórum mínimo chegam a um acordo ou são levados pelos países da região a que pertencem a retirar suas postulações, em favor de um candidato de consenso. A Guatemala aceita uma solução de compromisso. Mas com Chávez é diferente. Ele quer dispor, no organismo multilateral, de um lugar a partir do qual possa infligir o maior dano possível aos Estados Unidos. E, se isso não for possível, quer que os Estados Unidos se humilhem publicamente. Para retirar a candidatura da Venezuela, exige que o presidente George W. Bush declare de viva voz que deixa os países em liberdade para votar como quiserem. Os Estados Unidos, obviamente, nem tomaram conhecimento dessa proposta, mesmo porque uma retratação desse tipo seria altamente ofensiva para os mais de cem governos que estão sufragando a Guatemala.

O embaixador da Venezuela na ONU - que já disse que seu país não está confrontando a Guatemala, mas ¿lutando contra os donos do universo¿ - está proclamando uma ¿vitória moral¿ onde há uma fragorosa derrota. Não são só os países da Europa, África e Ásia que recusam o seu apoio a um governo que pretende usar uma posição no Conselho de Segurança para se opor sistematicamente a Washington - o que travaria o já conturbado processo de decisão do organismo. Também países do grupo da América Latina e do Caribe sentem grande desconforto com a posição de Chávez. O Chile e o México já sugeriram a renúncia dos dois candidatos. E o embaixador do México na ONU foi mais longe: ¿Se os EUA e a Venezuela têm um problema entre eles, que o resolvam, mas sem bloquear a dinâmica do grupo.¿

A diplomacia petista, que tem sido de uma leniência ímpar em relação aos métodos autoritários de Chávez, como era de se prever, se omite. Em lugar de fazer ver ao ex-coronel golpista que sua posição é insustentável e prejudica o grupo, argumenta que deve solidariedade a um membro do Mercosul. Ora, é a Venezuela que deveria ser solidária com o grupo. Tudo leva a crer que a direção petista do Itamaraty não percebe que a política radical de Hugo Chávez, de oposição a Bush, não pode nem deve interferir com o relacionamento permanente e harmonioso que o Brasil deve ter com os Estados Unidos. Muito menos há sentido em o governo brasileiro apoiar um candidato ao Conselho de Segurança cujo objetivo declarado é dividir a comunidade internacional - em plena era da globalização - entre explorados e exploradores e que, além de empregar uma retórica que leva a conflitos indesejados, pratica uma política de militarização de sua própria sociedade, iniciando uma corrida armamentista que pode ter conseqüências dramáticas para a região. O representante da América Latina no Conselho de Segurança deve ser um promotor de coesão e um defensor dos interesses e das posições comuns da região. Ou seja, não pode ser a Venezuela de Chávez.