Título: Casal Hernandes depõe e se complica
Autor: Angélica Santa Cruz
Fonte: O Estado de São Paulo, 23/10/2006, Vida&, p. A36

Convocados para depor no processo que apura denúncia de que teriam praticado crimes de estelionato, lavagem de dinheiro e falsidade ideológica, o apóstolo Estevam Hernandes Filho e a bispa Sônia Haddad Fernandes - fundadores da Igreja Renascer em Cristo - afirmaram que possuem dezenas de negócios privados abertos no mesmo endereço da Igreja e com o mesmo CPF porque são 'empreendedores'.

Em tramitação na 1ª Vara Criminal de São Paulo, o processo tenta averiguar onde terminam os limites entre os cofres da Igreja e o patrimônio pessoal de seus fundadores. Até agora, resultou no bloqueio de bens e quebra do sigilo bancário do casal Hernandes e outros quatro sócios em dez empresas que, de acordo com os promotores, foram usadas para lavar dinheiro arrecadado pelos fiéis. O Estado teve acesso ao conteúdo dos depoimentos, prestados em 15 de setembro.

DINHEIRO PARA TORRE

Nos depoimentos, o apóstolo e a bispa forneceram uma informação que rendeu nova linha de investigação para o Ministério Público, desta vez por suspeita de apropriação indébita.

Trata-se da afirmação, feita por Hernandes, de que a maior torre de retransmissão do País, erguida na Avenida Paulista, 'nada tem a ver com a Renascer'. Acompanhado por cinco advogados e ouvido pelo juiz titular da 1ª Vara Criminal, Paulo Antônio Rossi, e pelo promotor público autor da denúncia, Marcelo Mendroni, Estevam Hernandes explicou que 'a construção da Torre da Avenida Paulista foi destinada à retransmissão de rádio e TV ligada à Fundação Trindade, que nada tem a ver com a Igreja. Mas que uma de suas atividades é transmitir o canal de televisão utilizado pela Igreja'. Mais adiante, disse: 'Eu não tenho nada a ver com a Fundação Trindade'.

A torre citada pelo bispo ficou pronta no ano passado com a ajuda de doações de fiéis que compraram carnês da campanha 'Desafio da Torre', lançada simultaneamente em 1.500 templos. Na etapa final de sua construção, a cúpula da Renascer fez uma cerimônia transmitida pelos canais de TV da Rede Gospel e apareceu reunida em volta de uma espécie de arca de alvenaria. Enquanto oravam de mãos dadas, jogavam envelopes com ofertas dentro da arca.

No site da Renascer, o igospel.com.br, a torre aparece como grande feito de uma Igreja que conseguiu se expandir apostando na evangelização eletrônica e hoje tem uma rede de TV e rádio que chega a 74% do território nacional.

Pesquisa feita no cartório de registros mostra que a Fundação Trindade - citada pelo apóstolo como dona da torre - tem como presidente o próprio Estevam Hernandes. O diretor-presidente é seu filho, Felippe Daniel Hernandes. O genro, Douglas Adriano Ramussem, integra o conselho consultivo. E os outros 11 nomes elencados são os de sócios do casal Hernandes em outras empresas privadas ou de bispos da Renascer. As atas mostram ainda que a Fundação Trindade tem sede social no mesmo endereço do escritório da Renascer, na Rua Apeninos, no Paraíso.

Em seu depoimento, o apóstolo Hernandes afirma ainda que a Fundação Renascer tem empresas cuja finalidade é 'auferir lucros' e que sua 'atual fonte de renda é a empresa Waves, da qual recebe entre R$ 300 mil a R$ 400 mil por ano'. Criada em 1999, a Waves Retransmissão e Comunicação Ltda. também tem sede na Rua Apeninos, onde funciona a Renascer - e não aparece nas declarações de Imposto de Renda do casal Hernandes.

Questionado sobre a coincidência, Hernandes respondeu que todas as empresas foram abertas no mesmo lugar 'por conveniência do contador'.

UMA SERVA DE DEUS

Ouvida logo depois do marido, a bispa Sônia Haddad Moraes Hernandes - face pública mais conhecida da Igreja por aparecer em pregações diárias na Rede Gospel - prestou depoimento curto no qual respondeu ser apenas uma serva de Deus, sem conhecimento das empresas abertas em seu nome.

Afirmou não saber 'nada sobre suas declarações de renda, apenas se dedica ao que lhe é pedido'. Disse que 'provavelmente é sócia de alguma das empresas, mas não tem conhecimento e nem sabe a que elas se destinam, se deram lucro ou prejuízo, quais atividades exerciam'. Garantiu que 'quando precisa de dinheiro para suas necessidades, da casa ou particulares, pede a seu marido'.

Concluiu que sabe que 'é dona de um apartamento em São Paulo e da casa em Boca Raton, nos Estados Unidos, onde existe um financiamento em 30 anos, embora não tenha certeza'. E não sabe se a casa 'é sua ou da Igreja'.

Procurados pelo Estado, o promotor Marcelo Mendroni e a defesa do casal Hernandes afirmaram não ter nada a declarar fora dos autos do processo.