Título: 'O corporativismo está mais forte'
Autor: Lopes, Eugênia
Fonte: O Estado de São Paulo, 02/12/2006, Nacional, p. A4

Entrevista

Chico Alencar, deputado (PSOL-RJ)

Alencar, que deixou o Conselho de Ética há oito meses, diz que o colegiado está mais fraco do que na época do mensalão

Oito meses depois de deixar o Conselho de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara, o deputado Chico Alencar (PSOL-RJ) mantém as críticas ao órgão e aponta o corporativismo parlamentar como o principal responsável pela provável absolvição da maioria dos 67 deputados que são alvo de processos por envolvimento com a máfia das ambulâncias. 'Quem desafiar o coro do corporativismo fica mal visto e isolado no conselho', afirmou.

Apesar de as denúncias acabarem em pizza no conselho, Alencar argumenta que a CPI dos Sanguessugas teve um papel importante nas últimas eleições, já que a maioria dos envolvidos com o esquema não se reelegeu. Em entrevista ao Estado, o ex-petista avalia que hoje o conselho é 'mais fraco' do que no passado, quando pediu a cassação dos mandatos dos parlamentares envolvidos no escândalo do mensalão. Eis a entrevista:

O trabalho da CPI dos Sanguessugas vai acabar em pizza com a absolvição de todos os parlamentares envolvidos com a máfia das ambulâncias?

A CPI foi uma iniciativa de partidos pequenos - o PPS, o PV e o PSOL - e acabou produzindo um resultado que orientou uma parcela do eleitorado a não votar em quem estava sendo acusado de participar do esquema. A motivação eleitoral era muito grande e a CPI teve um papel importante. A CPI valeu a pena, apesar das dificuldades que está enfrentando e de seu esvaziamento nessa ret a final.

Um dos argumentos usados pelos integrantes do Conselho de Ética para absolver os acusados é que a CPI dos Sanguessugas não apresentou provas contra eles.

Um dos problemas do conselho é a sua capacidade de investigação pequena. Os instrumentos de que ele dispõe são menores e mais fracos do que uma CPI. É preciso dar mais poder de investigação ao conselho. Agora, existe outro problema, que é o corporativismo parlamentar hegemônico, total. Isso muitas vezes vira cretinismo. Quem desafiar o coro do corporativismo fica mal visto e isolado no conselho. O corporativismo já esteve mais fraco no conselho e agora se vê que ele está mais forte.

Na sua avaliação, o corporativismo será novamente um dos responsáveis pela absolvição dos envolvidos com a máfia das ambulâncias?

As eleições trouxeram um elemento novo: a maioria dos parlamentares acha que o julgamento dos envolvidos foi feito nas urnas. O sentimento deles é que não há motivos para cassar por vários anos os direitos políticos de um parlamentar que não conseguiu se reeleger. E há aqueles que acham que quem foi reeleito já foi absolvido pelas urnas e, portanto, não precisa ser julgado novamente pelo Parlamento. Quem foi reeleito se sente anistiado. Na minha avaliação, essa é uma visão distorcida. Quem pensa assim deveria propor logo o fim do Conselho de Ética.

O conselho tem de ter outros instrumentos para poder investigar os deputados?

A expectativa é que, para 2007, na nova legislatura, haja uma reformulação no regimento do conselho. É preciso dar poderes para que o conselho possa pedir a quebra do sigilo bancário, fiscal e telefônico dos investigados. Na maioria das vezes, isso é essencial para a análise da quebra de decoro do parlamentar. Agora, será preciso que haja vontade política para fazer as mudanças. Também é preciso acabar com o voto secreto no plenário da Câmara nos julgamentos por falta de decoro. O voto secreto acaba acobertando o corporativismo. Mas sei que isso dificilmente será aprovado pelo Senado.