Título: Usuários sofrem com longa espera para atendimento no SUS
Autor: Sant¿Anna, Emilio
Fonte: O Estado de São Paulo, 03/12/2006, Vida&, p. A32

Hoje faltam 297 dias para a desempregada Zilda Maria dos Santos, de 53 anos, conseguir uma consulta no Hospital Monumento, no Ipiranga, em São Paulo. Na quinta-feira, 23 de novembro, às 6 horas da manhã, ela e sua vizinha, Francisca de Souza Vasconcelos, de 54 anos, acordaram com uma insólita coincidência. As duas estavam com fortes dores nas costas e nos braços. Francisca chegou à casa de Zilda chorando e lhe pedindo para acompanhá-la a um pronto-socorro.

Procuraram o Hospital Heliópolis, na zona leste. Francisca foi medicada e encaminhada ao Monumento. As duas então foram juntas para a fila de marcação de consultas. Francisca, com dores mais fortes e com encaminhamento, conseguiu ser atendida por dez minutos. Zilda não teve a mesma sorte. Só será recebida por um médico em 25 de setembro de 2007, ou seja, daqui a dez meses. ¿Eu escuto no jornal o governo dizer que a saúde vai bem¿, diz. ¿Só está bem mesmo para quem tem dinheiro.¿

O Hospital Monumento está na categoria das instituições filantrópicas e atende pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS). Dos 50 leitos, 60% são destinados a usuários do SUS.

A história das vizinhas é igual à de muitas outras pessoas que procuram atendimento nos hospitais do SUS. São relatos repetidos de demora para conseguir uma consulta ou um exame e dificuldades para achar vagas nos hospitais públicos.

Com a diarista Eliana Baliente da Silva, de 31 anos, não foi diferente. Há dois meses, sua filha Suélen Santos Silva, de 11 anos, reclama de fortes dores no pé que a impedem de caminhar normalmente. Há duas semanas o quadro piorou, seu pé inchou ainda mais e ela já não podia calçar sapato. Após ¿correr em vários hospitais¿ com a filha - os médicos do Hospital Geral de Pedreira identificaram um cisto -, a encaminharam ao Hospital Monumento para cirurgia.

No mesmo dia em que as vizinhas Zilda e Francisca procuravam atendimento, Eliana saiu de lá chorando. Após sair do Grajaú, onde mora, às 8 horas e percorrer de ônibus as duas horas que separam sua casa do bairro do Ipiranga, ouviu no balcão de atendimento a mesma previsão. ¿Me disseram que só em setembro ela poderia fazer a cirurgia, porque tem muita gente¿, diz. ¿Não posso pagar um hospital particular.¿

Não pode mesmo. Com os três dias de trabalho por semana, a diarista ganha pouco mais de R$ 200 por mês. Divide com sua mãe um aluguel de R$ 300 e conta com a ajuda do pai de Suélen para sobreviver. ¿Durmo preocupada e vou trabalhar ainda mais.¿

Procurada pelo Estado, a Secretaria Municipal da Saúde diz estar informada dos casos e que tomará providências.

20 MESES DE ESPERA

Quase dois anos se passaram entre o dia em que o universitário Daniel do Nascimento Gabriel, de 24 anos, procurou atendimento e a data em que recebeu a confirmação de sua consulta com um especialista no Hospital de Base, em Bauru, interior do Estado.

Em 2004, ele teve sua primeira crise de alergia logo após se mudar para a cidade. A doença o acompanha desde a infância, mas nunca havia se manifestado com tanta intensidade. Manchas vermelhas surgiram nas costas, pernas, braços e no rosto. ¿A coceira era muito forte, mas o maior incômodo era a aparência¿, diz.

Sem recursos, morando em uma república, longe da família e sem plano de saúde, Daniel procurou um clínico-geral do hospital. O médico o encaminhou para um dermatologista. Até aí nada fora do normal.

Fora do normal, segundo ele, foi receber apenas em agosto deste ano a confirmação da consulta. ¿No dia em que a carta chegou, eu nem sequer me lembrava do que se tratava¿, diz. Nesse período, o estudante recorreu a uma consulta particular paga pelos pais para controlar a alergia. ¿É revoltante. Eu iria ficar esperando quase dois anos pra saber se meu caso poderia ter conseqüências.¿

Para a dermatologista Meire Parada, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), casos como esse merecem atenção e não podem demorar para serem tratados. ¿Às vezes, alguns quadros se complicam com o tempo de espera¿, alerta.

A Secretaria Estadual de Saúde admite que o município sofre com o déficit de consultas no sistema de saúde. No entanto, acredita que um repasse maior de verbas do Ministério da Saúde resolveria o problema. O Estado recebe hoje cerca de R$ 260 milhões mensais para aplicar na saúde.

SUPERLOTAÇÃO

Essas histórias revelam a superlotação do sistema. O Ministério da Saúde recomenda um médico para mil habitantes, de acordo com a portaria nº 1.101, de 12 de junho de 2002. Mas, na prática, em muitos lugares esse número parece ser insuficiente para atender a enorme demanda. O resultado se traduz nas filas de espera.

A própria Zilda reconhece que o atendimento no SUS, ¿quando acontece¿, é bom. Ela diz ser bem tratada pelos médicos e não reclama da atenção dos funcionários. O problema é o tempo que decorre entre marcar uma consulta e conseguir ser atendida. ¿É muita gente, acho que a culpa não é dos funcionários¿, afirma. ¿É como se a população estivesse implorando um favor, mas temos direito.¿

A advogada Cláudia Trettel, do Instituto de Defesa do Consumidor (Idec), concorda. O instituto se prepara para relançar uma campanha de conscientização, iniciada em 2003, chamada ¿O SUS pode ser seu melhor plano de saúde¿. Para ela os serviços de saúde têm problema, mas, na maioria das vezes, oferecem um bom atendimento. ¿Um dos problemas mais graves e que fica evidente é o acesso ao sistema¿, diz. ¿Em geral, no atendimento, o nível de satisfação é alto.¿

A insatisfação dos que não conseguem o acesso também é. Apesar disso, as consultas sobre o funcionamento e reclamações sobre o SUS encaminhadas ao Idec não são muitas. Para Cláudia, isso é reflexo da falta de informação dos usuários, que na maioria das vezes não enxergam no sistema de saúde um serviço prestado como nos convênios particulares. ¿É uma prestação de serviço que o Estado faz para o cidadão, mas não é uma relação de consumo. É uma relação de cidadania, o que é uma coisa ainda maior¿, diz.

O material do Idec terá, além de informações básicas sobre os direitos do usuário, modelos de cartas e representações para o Ministério Público que ajudarão o usuário a encaminhar suas reclamações.

Incomodada com o mau atendimento, a secretária Marilei Teixeira Publio, de 39 anos, foi atrás de seus direitos. Sua mãe, Maria Publio, de 59 anos, sofre com fortes dores causadas por uma fibromialgia. O problema é agravado por sua profissão. Maria é faxineira.

Em setembro, após fazer todos os exames necessários para começar o tratamento, ouviu dos atendentes do Centro de Reabilitação do Jardim Umarizal, zona sul de São Paulo , a recomendação para voltar após o quinto dia útil de janeiro. Mas não para dar início ao tratamento; seria apenas a data em que poderia entrar na fila para agendar as sessões de fisioterapia. O problema: Maria estava com os exames prontos e com validade de 60 dias, mas a espera seria de quatro meses para só então marcar as consultas. ¿Para uma pessoa que contribuiu para o INSS por tantos anos, o tratamento não estava sendo equivalente¿, lamenta Marilei.

Indignada, enviou um e-mail com a reclamação para a coordenação do centro de reabilitação, contra a vontade da própria mãe, que temia não ser mais atendida por causa da queixa. A solução veio após 15 dias. O centro de reabilitação enviou uma correspondência para sua casa com as datas das sessões já marcadas.