Título: Anistia protesta contra promotora
Autor: Mendes, Carlos
Fonte: O Estado de São Paulo, 26/12/2006, Nacional, p. A9

A Anistia Internacional está protestando contra o fato de o Ministério Público do Pará não ter pedido julgamento para o fazendeiro José Décio Barroso Nunes, o Delsão, acusado de ter mandado matar, em novembro de 2000, o presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Rondon do Pará, José Dutra da Costa, o Dezinho. Em carta enviada no final de semana ao procurador-geral de Justiça do MP, Francisco Barbosa, ela cobra explicações sobre os motivos que levaram a promotora do caso, Lucinery Rezende Ferreira, a pedir a exclusão do fazendeiro do processo, dizendo que contra ele haveria ¿extensa evidência, incluindo testemunhos¿ para levá-lo a julgamento.

O crime ganhou repercussão internacional. O sindicalista sofria constantes ameaças de morte por liderar as invasões de terra em Rondon, município dominado por poucos fazendeiros que controlam mais de 80% das terras na região. O pistoleiro que matou Dezinho, Helinton de Jesus Silva, foi condenado a 29 anos de prisão em novembro.

Uma cópia da carta entregue a Barbosa foi enviada também ao presidente do Tribunal de Justiça, desembargador Milton Nobre, ao secretário especial de Direitos Humanos do Ministério da Justiça, Paulo Vanucchi, e ao embaixador do Brasil em Londres, José Bustani. É a Justiça paraense que decidirá se aceita ou não o pedido de impronúncia de Delsão. A promotora fundamentou o pedido de inocência do fazendeiro na versão apresentada por três testemunhas ligadas ao próprio acusado - seu sogro, cunhado e um tio da mulher dele.

Lucinery Ferreira também desferiu pesadas críticas à Comissão Pastoral da Terra (CPT), acusando-a de ser uma organização política. A acusação ao fazendeiro, segundo ela, seria motivo ¿para alguns apaixonados por suas respectivas causas expor suas ideologias políticas como pano de fundo¿. Delsão é ainda acusado de participação em outros homicídios em Rondon. Três inquéritos que apuravam sua participação nesses crimes desapareceram misteriosamente do fórum de Rondon.

A viúva da vítima, Maria Joel da Costa, assumiu o lugar do marido na presidência do sindicato, mas também está sofrendo ameaças de morte. Conhecida por Joelma, ela recebeu há dez dias a medalha de Direitos Humanos 2006 do Ministério da Justiça. O prêmio foi entregue pessoalmente pelo presidente Lula.

Assinada pela vice-diretora do Programa das Américas da Anistia Internacional, Guadalupe Marengo, a carta afirma que a entidade tem acompanhado com muita atenção a longa história de violência e abusos de direitos humanos ligados à luta pelo direito à terra no Pará. ¿Temos nos pronunciado contra a lentidão da Justiça e a impunidade que têm sustentado as contínuas mortes violentas no Estado. Apesar de acompanharmos a situação no Pará há certo tempo e mantermos diálogo aberto com integrantes do governo federal e estadual, nunca tivemos oportunidade de trazer diretamente a vossa excelência nossas preocupações¿, acrescenta o documento enviado a Barbosa.

A Anistia reconhece os ¿notáveis julgamentos¿ que têm colaborado para mudar a tradição de impunidade e o papel importante de entidades como a CPT, o Ministério Público e a Justiça nessas sentenças.