Título: 'Bondades' imobiliárias
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Fonte: O Estado de São Paulo, 16/09/2006, Notas e Informações, p. A3

O pacote imobiliário lançado pelo governo, às vésperas das eleições, para atender à demanda da construção civil e incentivar o crédito, dá estímulos a um mercado já aquecido pela queda do juro e por desonerações fiscais adotadas desde 2004, como a diminuição do IR sobre o lucro nas transações com imóveis e do IPI sobre materiais de construção, além da entrada em vigor da nova Lei das Incorporações, que aumentou a segurança jurídica dos contratos de financiamento. Algumas das medidas terão efeitos profundos e duradouros sobre o setor que mais emprega mão-de-obra.

O impacto positivo mais imediato virá da queda de 10% para 5% da alíquota do IPI incidente sobre itens básicos da construção (chuveiros elétricos, bidês, sanitários, caixas de descarga, artigos para uso sanitário ou higiênicos, inclusive de plástico, revestimentos de pavimentos, de plásticos, ladrilhos e mosaicos). Os construtores terão mais crédito. A Caixa Econômica Federal (CEF) abrirá uma linha de R$ 1 bilhão para a construção de imóveis, em 2006. E estão prometidos mais R$ 3,5 bilhões, para 2007. A oferta de crédito poderia crescer mais se os bancos privados pudessem intermediar os recursos do FGTS, com ativos superiores a R$ 170 bilhões - o que hoje só a CEF pode fazer.

Outra promessa, pois isso dependerá de mudança legal, foi a de que as empresas de construção civil poderão se enquadrar no regime fiscal do Simples. Além de incentivar a construção, esse enquadramento estimularia a formalização de pequenos empresários.

Para conquistar os mutuários, o governo pretendia eliminar a Taxa Referencial de Juros (TR) dos empréstimos habitacionais, com vistas a reduzir o custo financeiro das operações. Os bancos foram contrários, alertando para o risco do descasamento entre ativos e passivos (a caderneta é corrigida pela TR mais juros). Por isso, ficou a critério das instituições financeiras emprestar cobrando TR mais juros, como hoje, ou com juros fixos. Esta modalidade já era oferecida por alguns bancos, com recursos próprios. Agora eles poderão usar recursos das cadernetas e incluir as operações nas regras de exigibilidade (no mínimo, 65% dos depósitos devem ser aplicados em financiamentos). Mas haverá regras para evitar que os juros das operações prefixadas sejam superiores à TR mais juros.

Além disso, foi anunciada a criação de um portal de informação que facultará aos mutuários consultar as ofertas de imóveis das construtoras. Seria interessante que o portal também divulgasse as condições dos financiamentos, para permitir aos mutuários a obtenção das melhores taxas.

E o BNDES passará a oferecer crédito imobiliário aos funcionários de empresas-clientes. Esta parece ser uma inovação promissora, a médio prazo, ao abrir um novo mercado tanto para construtores e mutuários como para o próprio banco, que não tem cumprido, desde o ano passado, seu orçamento de aplicações. O custo das novas operações será a TJLP (7,5% ao ano) mais 1% ao ano, cabendo lembrar que o BNDES tem de remunerar os recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT).

A medida mais controvertida é a adoção do crédito consignado nas operações imobiliárias. O crédito com desconto em folha é vantajoso para as instituições financeiras devido ao baixo risco, mas estimula o endividamento excessivo das pessoas físicas e uma crescente 'indústria' de corretagem de empréstimos, que onera os tomadores. O risco de implantar o crédito imobiliário consignado é ainda maior, porque os prazos são longos. Em caso de perda de emprego, o trabalhador correrá o risco de perder também a casa própria, geralmente adquirida com enorme dificuldade.

Não falta crédito para habitação. Nos últimos 12 meses, até julho, os bancos que operam com cadernetas concederam R$ 7,2 bilhões de empréstimos, prevendo atingir R$ 9 bilhões a R$ 10 bilhões, neste ano.

Os estímulos à construção civil darão algum alento à atividade econômica e ao emprego dos trabalhadores menos qualificados. Mas o aumento da oferta de crédito deve ser cuidadoso, para não provocar a valorização exagerada dos ativos imobiliários, como ocorreu no passado, após a implantação do BNH. Afinal, o pacote pouco ajudará a diminuir o déficit de moradias concentrado na população de baixa renda.