Título: É preciso aprender a aprender
Autor: Gabrilli, Mara
Fonte: O Estado de São Paulo, 02/01/2007, Espaço Aberto, p. A2

Tomamos conhecimento, em novembro, de que um colégio particular da zona sul de São Paulo não aceitou a matrícula de uma criança. E ainda teve ganho de causa na Justiça. Motivo? A pequena de 7 anos tem síndrome de Down. Justificativa? Um juiz entendeu que a escola não tinha a obrigação de aceitar a menina no seu quadro de alunos, mesmo que para fundamentar a sua decisão tivesse de desrespeitar não apenas a Constituição brasileira, como também diversas leis que garantem a universalização do ensino, em detrimento da discriminação. Esse perrengue judicial jogou holofotes sobre o assunto e acabou estimulando uma pergunta que reverbera pelos quatro cantos do Brasil: afinal, precisamos incluir a que preço?

Duas correntes se formaram e tomaram caminhos opostos. Por um lado, acredita-se que a solução adequada seja não forçar a inclusão em colégios que não estão preparados para receber crianças que precisam de diferentes métodos de aprendizagem. Junta-se a essa corrente a justificativa de que as crianças com deficiência precisam de local adequado para estudar, um espaço com pessoas capacitadas para compreenderem e estimularem a educação de forma diferenciada. Também se fala em manter as crianças com deficiência longe da chacota infantil, da verdade sem rodeios que é característica e própria das crianças.

Segue pelo outro lado o rol de agentes da inclusão. Para estes, toda escola tem a obrigação de estar habilitada a incluir. Se não há um quadro de funcionários capacitados, forme os educadores. Se o espaço não é propício para lidar com as diferenças, há um equívoco cabal nisso. Em todos os lugares e em todos os momentos lidamos com diferenças. Afinal, somos diferentes em nossa própria natureza, não há um ser humano igual ao outro. Por essa análise, qualquer professor tem de respeitar o tempo cognitivo do aluno para poder ensinar com plenitude. Todas as crianças têm capacidade de aprender, é preciso apenas saber como.

Para uma criança com deficiência é importante conviver com outras crianças. Esse aprendizado é relevante para a educação de ambas. Para as primeiras, o convívio estimula seu desenvolvimento e cria parâmetros de vivência social. Para as outras, essa é a primeira pedra que se atira para derrubar uma barreira que se pode formar futuramente: o preconceito ancorado na falta de informação, na falta de convivência.

Essa discussão exalta os humores nacionais. Será que é necessário forçar a inclusão da criança com deficiência nos colégios regulares, mesmo havendo discriminação por toda parte, a começar por alguns educadores, ou deixá-las em escolas especiais, onde poderiam ser atendidas adequadamente, porém longe do convívio de outras?

A minha resposta é fazer as duas coisas. É preciso que todos empunhem a inclusão como bandeira real, ou seja, tomando a causa com atitude. Precisamos que as escolas regulares aceitem crianças com deficiência. Mas, antes disso, devemos buscar a formação de todos esses profissionais. As escolas especiais, por exemplo, poderiam contribuir na orientação do ensino às crianças com deficiência. Uma outra forma de resolver essa questão é estimular as escolas regulares para que tenham em seus projetos pedagógicos temas relacionados à inclusão de alunos com deficiência. Depois, podemos cruzar esses conhecimentos para que todos os educadores aprendam como as crianças aprendem, ou seja, que eles observem quais são as dificuldades e os potenciais que a criança tem e, a partir daí, estimulem o seu desenvolvimento cognitivo. Descobriremos que não há segredo, cada dia é uma nova experiência tanto para os professores quanto para as crianças.

Quando os colégios regulares puderem receber crianças com deficiência, respeitando seu tempo cognitivo, acredito que não precisaremos propor essa dupla jornada escolar. Por enquanto, defendo a matrícula em ambas as escolas. Futuramente, quem sabe, chegaremos à proposta ideal, que é dar aos pais das crianças com deficiência a possibilidade de escolher, sem nenhum medo, qual escola é melhor para a formação do seu filho.

A Prefeitura de São Paulo vem trabalhando para implantar um sistema inclusivo na rede municipal de ensino. Foram criados programas de inclusão que estão sendo implementados por toda a cidade. Os Cefais, que são os Centros de Formação e Acompanhamento à Inclusão, ficam dentro das 13 coordenadorias de educação e têm o objetivo de dar embasamento pedagógico a todas as unidades escolares. Já o Paai é um programa em que professores habilitados e itinerantes dão apoio à comunidade educativa. Por último, as Saais, salas de apoio e acompanhamento à inclusão, oferecem atendimento complementar, suplementar ou exclusivo aos alunos com deficiência. A cidade já conta com 111 Saais, que atendem perto de mil alunos com deficiência. E esse acompanhamento é realizado fora do horário de aula das crianças por quase 500 educadores especializados. Hoje, a rede municipal tem cerca de 13 mil alunos com deficiência matriculados nas suas unidades escolares.

São Paulo está dando o exemplo, mas o quadro educacional brasileiro me faz crer que ainda temos muito que aprender. De certa forma, até o nosso douto Judiciário.

A minha experiência de tetraplégica me faz observar que muitos adultos não imaginam que eu possa ser tão ativa como eles - ou mais. Com certeza, eles olhariam as pessoas com deficiência com menos surpresa e preconceito se, quando crianças, tivessem convivido com as diferenças na escola. O que me faz pensar que há certas coisas que a gente pode aprender desde cedo, antes da batalha da vida. E respeitar as diferenças é, com certeza, uma delas.