Título: 'Crescimento baixo não é certeza'
Autor: Dantas, Fernando
Fonte: O Estado de São Paulo, 05/02/2007, Economia, p. B5

Na contramão da maior parte dos economistas ortodoxos, Aloísio Araújo, da Fundação Getúlio Vargas do Rio, se posiciona contra o ¿determinismo do crescimento baixo¿. Para o professor da Escola de Pós-Graduação em Economia (EPGE) da FGV-Rio e do Instituto de Matemática Pura e Aplicada (Impa), não dá para prever que a economia brasileira continuará no ritmo medíocre de 2,5% a 3% dos últimos anos, como muitos economistas ortodoxos vêm fazendo. Fiel à visão de que o crescimento no curto prazo é imprevisível, ele não banca a previsão do governo de crescimento de 5% ainda no segundo mandato de Lula, mas também não a considera impossível. Para Araújo, o Brasil realizou uma série de reformas e mudanças importantes nos últimos anos, que afetam positivamente a capacidade de a economia crescer. O problema, ele diz, é que não há condições de saber quando isso ocorrerá, nem com qual intensidade. Acadêmico de grande prestígio, é membro da American Academy of Sciences e da National Academy of Sciences (também americana). A seguir, trechos da entrevista.

O sr. acha que o Brasil vai continuar crescendo próximo da média de 2,5% do últimos 20 anos?

Ninguém pode dizer com certeza se a gente vai crescer 3% ou 5%. Eu não ficaria surpreso se a taxa de crescimento fosse maior do que a que prevaleceu no passado recente, embora isto seja um tipo de coisa sobre a qual não se pode ter certeza. Discordo desse determinismo do baixo crescimento, de quem acha que necessariamente se vai crescer pouco. Num país como o Brasil, o imponderável é muito grande.

O que poderia levar a taxa de crescimento a acelerar?

O Brasil cresceu pouco, mas teve muitas mudanças positivas e fez muita reforma. Não dá para saber quando vão surtir efeito, e qual será a magnitude desse efeito. É claro que sou favorável a que se faça mais reformas, isso é diferente de dizer que o País não pode crescer.

O sr. poderia falar um pouco sobre essas mudanças e reformas ?

Por exemplo, há melhoras no capital humano. Está aumentando o porcentual de pessoas com segundo grau na população economicamente ativa e entre os que têm emprego formal. Poderia citar também as mudanças no mercado de crédito. Foram feitas mudanças muito substanciais nessa área.

Dê exemplos, por favor.

A Lei de Falências, que dá prioridade para os credores com garantias reais, que introduz a recuperação judicial das empresas, e tem dispositivos de sucessão tributária e trabalhista que dão mais garantias ao credor. Outra iniciativa importante é a do ¿incontroverso¿. Quando há uma disputa judicial numa operação de crédito, só é suspenso pela Justiça o pagamento da parte que está em questão, normalmente parcela dos juros, e não de tudo, como era antes. Há também outras mudanças, como a Lei de Execução de Títulos Judiciais, que reduz as etapas para receber o que é cobrado judicialmente.

Qual a importância dessas medidas?

Foi uma série de mudanças nos governos Lula e FHC, que reforçam a garantia dos credores, expandem o crédito, e devem ter impacto no crescimento potencial da economia. Foram reformas muito boas, que contribuíram para que o crédito crescesse de 26% para 35% do PIB, e podem levá-lo a 50%.

Como o sr. avalia as mudanças na área imobiliária?

Foram muito importantes também, e estão levando à atual expansão do setor. Essa parte imobiliária tem de ser enfatizada, porque é um setor importante, de mão-de-obra pouco qualificada e abundante.

Além do crédito, o sr. vê outras mudanças importantes que possam afetar o ritmo de crescimento?

Há também a privatização e as concessões em infra-estrutura que já foram realizadas. As ferrovias, por exemplo, estão privatizadas. Pode não haver grandes investimentos, mas há muito maior eficiência na utilização daquela malha. A informática era uma área com muito imposto e protecionismo, e isso diminuiu recentemente, o que está levando a um grande crescimento.

E do lado da estabilidade e da macroeconomia, o sr. vê impulsos?

Sem dúvida. Esse ambiente macroeconômico extremamente favorável, como queda acentuada do risco Brasil, não se manifestou em crescimento maior ainda, mas é algo que pode acontecer. Também não podemos esquecer de que a queda da taxa real de juros torna vários investimentos viáveis, especialmente quando os agentes confiam em que essa taxa mais baixa vai se manter, que me parece o caso atual.

Que outros fatores podem contribuir para o crescimento?

Temos também uma maior abertura econômica, com a expansão das exportações abrindo espaço para o crescimento das importações, o que leva ao aumento da produtividade, com a especialização da produção do País. As empresas estão capitalizadas, o que cria condições para o auto-financiamento de investimentos.

Qual a sua visão sobre o PAC?

É positiva em relação a alguns aspectos. Hoje, quando fazemos projeções para a relação entre a dívida pública e o PIB, o que surge é uma queda acentuada. Isso deriva da queda dos juros e cria, naturalmente, um espaço fiscal. Acho que o certo é ocupar logo esse espaço com desoneração tributária e aumento dos investimentos em infra-estrutura, e evitar que a ocupação seja feita com gastos correntes, que são fins muito menos nobres.

O sr. parece otimista.

Não, não estou otimista, mas também não estou de acordo com o pessimismo dominante. Como expliquei, existe algo de imponderável no crescimento econômico de curto prazo. Mesmo que cresçamos 5% dentro de algum tempo, nada garante que esse ritmo será mantido. Uma preocupação adicional é que não basta o Brasil fazer reformas, ele tem de se preocupar também com o ritmo das reformas nos países que competem conosco.

Qual deveria ser a agenda, então?

Seria muito importante que fizéssemos a reforma trabalhista. As reformas da Previdência e tributária também têm enorme potencial de aumentar nossa competitividade. Algumas dessas reformas não acontecem por causa de lobbies pequenos, em termos eleitorais.

O ENTREVISTADO

Aloísio Araújo, professor da FGV-RJ, é o economista brasileiro, trabalhando no País, com o maior número de trabalhos publicados nas principais revistas internacionais de referência.