Título: Descaso ameaça arqueologia no RJ
Autor: Thomé, Clarissa
Fonte: O Estado de São Paulo, 20/02/2007, Vida&, p. A9

Achados arqueológicos no meio da cidade do Rio estão alavancando uma discussão sobre a preservação de sítios históricos. De um lado, pesquisadores se queixam da falta de fiscalização e de incentivo para o trabalho dos arqueólogos. Do outro, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) diz que, apesar da equipe reduzida, tem conseguido evitar a perda do registro histórico.

Alguns achados são recentes. Entre eles, estão louças sob os jardins da casa em que morou Rui Barbosa, datadas do início do século 19; uma muralha de 30 metros de extensão construída provavelmente em 1713; e outro muro do início do século 20, enterrado dois metros abaixo do asfalto da Avenida Antônio Carlos, uma das mais movimentadas do centro da cidade.

¿Nós não temos uma política eficiente de preservação dos sítios arqueológicos. Não há um mapeamento a que o pesquisador possa recorrer. O que acontece são encontros fortuitos¿, queixa-se o historiador Milton Teixeira, que localizou a muralha no alto do Morro da Conceição, construída em cal e óleo de baleia, e que faria parte de um projeto para cercar a cidade. A descoberta ocorreu depois que o historiador analisou um mapa do Rio de Janeiro de 1750.

A assessora em arqueologia do Iphan, Rosana Najjar, refuta as afirmações do historiador. Segundo ela, há mapeamento dos achados arqueológicos. ¿Para cada pesquisa autorizada pelo Iphan, é feito um registro do sítio. O mapa dos sítios arqueológicos é vivo, modificado o tempo todo¿, afirmou.

EQUIPE REDUZIDA

O Iphan tem apenas um funcionário para fiscalizar obras em todo o Estado. Rosana diz que é suficiente. Ela cita como exemplo a murada encontrada na construção de um estacionamento. ¿A obra foi embargada, fez-se o estudo e descobriu-se que havia trechos dessa murada (feita para proteger a cidade do avanço do mar em 1904, por ordem do prefeito Pereira Passos) em outros pontos da cidade¿, conta. ¿O Iphan autorizou que parte do muro encontrado fosse demolido, porque não se pode inviabilizar o crescimento da cidade.¿ O trecho a ser preservado terá iluminação especial e uma placa com a história.

No entanto, por pouco a murada não foi desmontada por britadeiras. A empreiteira contratou o acompanhamento arqueológico só até 31 de dezembro. Dezoito dias depois, o Museu Nacional recebeu um chamado de emergência. A murada havia sido achada e estava sendo destruída. O Iphan foi avisado e interrompeu a ação.

Para a coordenadora de pós-graduação em arqueologia do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Tânia Andrade Lima, o instituto não é problema. ¿O grande culpado é a mentalidade de não-valorização da cultura¿.

Um decreto municipal no Rio obriga que todas as obras da prefeitura tenham acompanhamento arqueológico. A legislação federal também exige esse tipo de trabalho nos grandes empreendimentos. Mas nem sempre a lei é cumprida. Tânia já foi procurada por um repórter esportivo com uma caixa contendo louças e outros objetos retirados da obra de rebaixamento do campo de futebol do Maracanã. Ele queria uma avaliação do material. ¿Por que a arqueologia não foi procurada antes? Aquela região tem registro de ocupação desde o século 16, com fazendas. Esse registro se perdeu¿, comentou.

Há bons exemplos, como o da Casa de Rui Barbosa, onde técnicos lutam contra um dos maiores inimigos do acervo e da antiga residência do jurista, escritor e político: a umidade.

Desde dezembro, operários escavam os jardins do museu, em Botafogo, para refazer o sistema de drenagem. Antes, as arqueólogas Jackeline de Macedo e Camilla Agostini fazem a prospecção do terreno - escavações de um metro quadrado, até um metro de profundidade. Elas buscam cacos da história deixada por antigos proprietários - do Barão da Lagoa, que construiu a casa em 1850, até o jurista, que viveu ali de 1895 até 1923.

Elas encontraram porcelanas, peças de louças e parte do piso de antiga construção.

O presidente da Casa, José Almindo de Alencar, afirma que a instituição não está fazendo escavação arqueológica. ¿Investimos os recursos num plano geral de conservação para evitar o desgaste do acervo e do prédio. O trabalho arqueológico foi conseqüência dessa preocupação, já que este é um local histórico¿, declarou.

¿Toda a cidade é muito fértil. O Rio de Janeiro foi a sede da colônia, vice-reinado de Portugal, capital do Brasil. Tudo isso está contado nos livros. Mas a arqueologia remonta o cotidiano, conta a história que não foi registrada nos livros¿, completa Jackeline.