Título: Liberdade Sindical
Autor: Pazzianotto Pinto, Almir
Fonte: O Estado de São Paulo, 24/02/2007, Espaço Aberto, p. A2

Logo após o encerramento da 2ª Guerra Mundial, em 1945, além de medidas destinadas à recuperação de regiões devastadas pelo conflito, como a criação do Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento (Bird) e do Fundo Monetário Internacional (FMI), cuidaram os países aliados de eliminar o que restara da doutrina nazi-fascista.

As assembléias anuais da Organização Internacional do Trabalho (OIT), tradicionalmente convocadas para se reunirem em Genebra, haviam sido temporariamente transferidas para os Estados Unidos da América. Em junho de 1948, no decorrer da 30ª reunião, realizada em São Francisco, atendendo a solicitação formulada pela Organização das Nações Unidas (ONU), a OIT aprovou a Convenção nº 87, sobre liberdade sindical e proteção do direito de sindicalização, destinada a impedir o domínio de associações sindicais de trabalhadores e empregadores por regimes ditatoriais, pelo crime organizado e partidos políticos.

O núcleo da Convenção nº 87 se localiza nos artigos 2 e 3, que determinam, respectivamente, que ¿os trabalhadores e os empregadores, sem distinção e sem autorização prévia, têm o direito de constituir as organizações que julguem convenientes, assim como o de se filiarem a essas organizações, sob a única condição de respeitarem os respectivos estatutos¿, e que ¿as organizações de trabalhadores e de empregadores têm o direito de redigir seus estatutos e regulamentos administrativos, o de eleger livremente os representantes, o de organizar sua administração e suas atividades, e de formular seu programa de ação. As autoridades públicas deverão abster-se de toda intervenção que procure limitar este direito ou impedir seus exercício legal¿.

O primeiro país a ratificar a convenção foi o Reino Unido, em junho de 1949. Seguiram-se Noruega e Suécia, no mesmo ano; Finlândia, Holanda, México, Islândia e Áustria, em 1950; Paquistão, Dinamarca, França e Bélgica em 1951; Guatemala e Cuba, em 1951. A Itália, em 1958. Portugal e Espanha, depois de redemocratizados, em 1977. Atualmente, 147 dos 180 países filiados à organização aderiram à Convenção nº 87. Os últimos a adotarem essa salutar providência foram Armênia, em 2 de janeiro de 2006; El Salvador, em 6 de setembro; e Vanuatu, ilha de 12.189 km2, com 186 mil habitantes, localizada na Polinésia, em 28 de agosto do mesmo ano.

Entre os países que não a adotam, quatro apenas têm destaque mundial: Estados Unidos da América, China, Índia e Brasil. O caso norte-americano se explica pelo fato de a União não interferir na prerrogativa assegurada aos Estados, pela Constituição de 1787, de aprovarem legislações próprias. A liberdade sindical é, contudo, preservada e as relações individuais de trabalho são disciplinadas em contratos coletivos periodicamente renovados. As situações chinesa e indiana são atípicas, pois permaneceram séculos à margem do desenvolvimento, presos ao passado e vítimas de regimes totalitários. Participando da minoria, lembro Jordânia, Iraque, Afeganistão, Catar e Venezuela.

A situação do Brasil na OIT é injustificável e vexatória. Já se passaram 58 anos desde a remessa, pelo presidente Eurico Gaspar Dutra, do pedido de autorização para a ratificação, e até agora o Poder Legislativo não se decidiu. Como arrazoou o senador Eduardo Dutra, no parecer que ofereceu à Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, na sessão do dia 11 de dezembro de 2002, o Congresso permanece ¿dividido entre o constrangimento de rejeitá-la por inconstitucionalidade, cedendo a pressões de entidades constituídas sob a égide do modelo corporativista, e as cobranças internas e externas pela adoção de uma das diretrizes fundamentais da Organização Internacional do Trabalho¿.

Não há como negar que a estrutura sindical conserva traços característicos e inconfundíveis do corporativismo fascista, que os redatores da Carta Constitucional de 1937 e os autores da Consolidação das Leis do Trabalho foram buscar na Carta del Lavoro da Itália fascista. Representação exclusiva de categoria profissional ou econômica e pagamentos obrigatórios de associados e não-associados são privilégios incompatíveis com o Estado Democrático de Direito, que tem na autonomia de organização e liberdade de associação civil, sindical, partidária, religiosa um dos pressupostos essenciais.

Os adversários da Convenção nº 87 a acusam de estimular a pluralidade sindical. Não é verdade. A convenção assegura autonomia de organização aos trabalhadores e empregadores perante o Estado. A eles caberá decidir se possuirão entidades diversas, à semelhança das centrais sindicais, ou se optarão por número mínimo de sindicatos legítimos e representativos, como acontece, por exemplo, na Alemanha, onde são ao todo 11. A convenção garante, também, que não serão impostas contribuições compulsórias. As entidades passarão a depender de pagamentos voluntários e representarão os associados, com o desaparecimento da artificial divisão em categorias profissionais e econômicas preestabelecidas, compartimentadas e estanques.

Exceção feita ao PT, que criou a CUT como braço sindical, os partidos políticos não se ocupam, salvo esporádica e superficialmente, dos problemas atinentes às relações de trabalho. Após conquistar o poder, o PT esqueceu-se dos antigos compromissos e abandonou a promessa da criação de 10 milhões de empregos.

Entre partidos à procura de linha de ação, aquele que souber apresentar, com objetividade e clareza, proposta de reforma sindical, fundada na ratificação da Convenção nº 87, e de modernização das leis trabalhistas baseada no respeito aos contratos individuais e coletivos, certamente terá grande chance de angariar o apoio da população e ser bem-sucedido nas eleições de 2010.