Título: EUA são ameaça à economia global
Autor: Chade, Jamil
Fonte: O Estado de São Paulo, 11/03/2007, Economia, p. B3

Há duas semanas, os mercados mundiais foram abalados por causa da China e US$ 3,3 trilhões desapareceram das bolsas de valores. Mas, com a turbulência parcialmente superada, analistas alertam: o maior risco para a economia global não é a China, mas uma possível recessão nos Estados Unidos.

'A China e os EUA são financeiramente como duas imagens opostas em um espelho. E os maiores problemas para a economia global provavelmente não virão do lado asiático dessa imagem', afirmou Jan Friederich, economista sênior do serviço de previsões globais do Economist Intelligence Unit.

Para ele, assim como para avaliações internas de alguns bancos, as razões que geraram as perturbações nas últimas semanas na China devem ser consideradas como 'modestas' em comparação aos desequilíbrios que podem surgir em outras economias no médio prazo. 'O que ocorreu na China foi apenas um gatilho para um ajuste que mostra, acima de tudo, como os mercados ainda são frágeis', afirmou o economista.

Na avaliação de especialistas de Zurique, por exemplo, o que chamou ainda mais a atenção foi a redução drástica dos dados sobre o crescimento do PIB americano no último trimestre de 2006. A projeção inicial era de 3,5%, mas acabou sendo rebaixado para 2,2%.

'Os dados que estão chegando dos Estados Unidos são preocupantes e podem ter impacto bem mais duradouro que o ajuste chinês', disse afirmou Friederich. 'Um novo ajuste nos mercados ocorrerá em algum momento. Mas dificilmente será por causa da China', disse.

Outro temor é o tamanho do déficit nas contas correntes americanas. O país fechou 2006 com um déficit de mais de 6% do PIB. Em suas últimas avaliações, o Banco de Compensações Internacionais (BIS, o banco central dos bancos centrais) incluiu o déficit americano como um dos principais fatores de risco para a economia global.

Hoje, porém, esse déficit está sendo financiado principalmente pelo dinheiro do petróleo e pela própria China com suas reservas. Os países exportadores do combustível foram obrigados a comprar papéis americanos como forma de investir os recursos gerados com a alta nos preços do petróleo. Dessa forma, acabaram financiando o déficit dos EUA, retardando impactos mais graves do desequilíbrio criado pelo país.

No caso da China, as reservas do país já representam 7,5% do PIB e somam US$ 1 trilhão, o que por si só já deixa claro que os problemas enfrentados pelo governo de Pequim não são os mesmos existentes nos EUA.

Para o professor Xiang Lanxin, do Instituto de Altos Estudos Internacionais de Genebra e especialista em mercados asiáticos, os fundamentos da economia chinesa 'são muitos sólidos'. 'Não há nada de errado com os fundamentos e não há sinais de que um novo ajuste será causado pela China mais uma vez', afirmou. 'US$ 200 bilhões são adicionados às reservas chinesas por ano e o crescimento da economia é robusto.'

O volume de recursos é tão grande que, na sexta-feira, os chineses anunciaram que criarão uma agência para investir esses recursos. Muitos no mercado já prevêem que esse mecanismo pode transformar as rotas dos fluxos de dinheiro no mundo. Hoje, a composição das reservas é mantida em sigilo, mas especialistas apontam que 75% delas são utilizadas na compra de títulos americanos. Se a nova agência de investimento for criada e parte do dinheiro for usado em projetos na própria China, portanto, quem sofreria seriam os americanos, que teriam de encontrar outras formas para financiar seu déficit.

No fundo, 35 anos depois da primeira visita de um presidente americano à China comunista - Richard Nixon -, políticos em Washington e investidores em Nova York já perceberam que o país que hoje reflete sua imagem oposta está diretamente ligado ao futuro de sua própria economia. 'Pela primeira vez na história a Bolsa de Xangai afetou Wall Street. As duas economias estão mais ligadas que nunca', alerta Lanxin.

A diferença, segundo ele, é que o déficit comercial americano com a China chega a US$ 232 bilhões em 2006, enquanto a Organização Mundial do Comércio (OMC) aponta que já existe a possibilidade de que Pequim se torne o maior exportador do mundo até o fim do ano.

Não por acaso, uma comissão mista foi criada entre os governos da China e dos EUA para tratar de temas como finanças, abertura dos mercados e a valorização da moeda chinesa, que a Casa Branca defende como maneira de reduzir o desequilíbrio comercial dos EUA.

O Banco Central chinês confirmou ao Estado que o yuan de fato terá de sofrer uma valorização em algum momento. 'Mas na hora certa', disse um porta-voz. Em artigo publicado em jornais asiátios esta semana, o especialista Jing-dong Yuan, do Instituto de Monterrey, explica que o presidente chinês, Hu Jintao, não poderá comprometer seus planos de promover o desenvolvimento das partes mais pobres da China e aceitar a pressão americana. 'Para conseguir um desenvolvimento harmonioso, o governo depende de altas taxas de crescimento e distribuição de renda', escreveu.