Título: Ataque da Via Campesina à Aracruz faz um ano, sem ninguém punido
Autor: Ogliari, Elder
Fonte: O Estado de São Paulo, 08/03/2007, Nacional, p. A20

A invasão e depredação de um viveiro de mudas e de um laboratório da Aracruz Celulose por mulheres da Via Campesina completa um ano hoje sem que a Justiça tenha conseguido localizar e ouvir 16 dos 37 acusados pelo ato, entre os quais o líder nacional do Movimento dos Sem-Terra (MST) João Pedro Stédile. Para não truncar o processo, o juiz José Pedro de Oliveira Eckert citou os réus não encontrados por edital convocando-os para audiência no dia 15 de maio. Em tese, o magistrado pode até decretar prisão dos que não se apresentarem.

Na ação deflagrada no Dia Internacional da Mulher do ano passado, cerca de 1.500 mulheres de movimentos ligados à Via Campesina destruíram o laboratório e o viveiro de mudas do Horto Florestal Barba Negra, da Aracruz Celulose, em Barra do Ribeiro, a 60 quilômetros de Porto Alegre. Nas entrevistas que se seguiram ao ato, as participantes disseram que o ataque visava a denunciar a expansão das plantações de árvores exóticas para fabricação de celulose em áreas que poderiam ser destinadas a assentamentos de sem-terra e à produção de alimentos.

Em Porto Alegre, onde participava da Conferência Internacional sobre Reforma Agrária, Stédile deu parabéns às mulheres por terem chamado a atenção da sociedade para o deserto verde que a monocultura do eucalipto provocaria. Outros três participantes do evento, o basco Paul Nicholson, o indonésio Henry Saragih e a dominicana Juana Sanchez, também defenderam a ação durante entrevista.

Depois do inquérito policial, o promotor Daniel Soares Indrusiak denunciou 37 pessoas como líderes ou organizadores da depredação, acusando-as de dano qualificado, furto, formação de quadrilha, seqüestro e cárcere privado dos vigilantes do horto e lavagem de dinheiro.

O juiz Eckert aceitou a denúncia e abriu o processo no dia 24 de abril de 2006. Desde então está analisando documentos e ouvindo os réus. Por seu gabinete, no fórum da Barra do Ribeiro, já passaram 21 dos acusados. Todos responderam ao interrogatório, mas alguns ainda não apresentaram defesa prévia. Entre os 16 não localizados estão os personagens mais conhecidos, como Stédile e Luci Piovesan, que deu entrevistas para justificar o ato.

As buscas foram feitas em endereços conhecidos, onde os oficiais de Justiça não encontraram os réus para citá-los. ¿Já fizemos várias diligências em assentamentos, mas, quando chegamos, a pessoa procurada não está mais lá ou é ocultada pelos demais¿, conta o escrivão judicial Fabrício Ahlert. ¿Até as famílias dizem que não sabem onde eles estão¿, revela o promotor Indrusiak, para ressaltar: ¿Quem se oculta é um foragido.¿

No caso de Stédile, o juizado de Barra do Ribeiro já enviou cartas precatórias às comarcas de Cachoeirinha (RS), Porto Alegre e São Paulo. Todas voltaram com respostas negativas. No caso dos estrangeiros, as cartas rogatórias encaminhadas à Justiça da Espanha, República Dominicana e Indonésia ainda não foram respondidas.

Depois de louvarem a atitude das mulheres, os líderes da Via Campesina deixaram de falar publicamente sobre o assunto, alegando que a acusação do procurador foi montada com base em textos da imprensa e não em provas cabais. Indrusiak argumenta que sua denúncia se baseia no inquérito policial, feito pela delegada Raquel Dornelles, de Barra do Ribeiro. Para o promotor, o argumento usado pelos réus é uma tentativa de diminuir o peso da acusação.

Stédile, que não respondeu ao pedido de entrevista do Estado nesta semana, disse, pouco depois do episódio, que estava sendo acusado por exercer o legítimo direito de opinião numa democracia quando cumprimentou as mulheres pelo gesto. ¿Não cometi e não estimulei nenhum crime¿, sustentou, em abril do ano passado.