Título: OAB apóia medida, mas alguns juristas vêem falta de base legal
Autor: Manzano Filho, Gabriel
Fonte: O Estado de São Paulo, 29/03/2007, Nacional, p. A6

É uma medida moralizadora, serve aos interesses da sociedade, mas juridicamente equivocada. Essa é a principal conclusão de especialistas em direito eleitoral ouvidos pelo Estado a respeito da decisão anunciada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). No centro da discussão, dizem eles, está o art. 55º da Constituição, que trata da perda do mandato - punição que atingiria os parlamentares que mudaram de partido. 'Nenhuma das seis hipóteses ali apontadas atribui ao TSE o poder de legislar sobre o assunto', advertem Tito Costa e Alberto Rollo, dois experientes consultores de legislação eleitoral do País.

O parecer do TSE foi aplaudido, no entanto, pela Ordem dos Advogados do Brasil. 'O que estava havendo era uma deturpação da Constituição, com um troca-troca sem fim dos partidos', disse em nome da OAB o jurista Fábio Konder Comparato. Ao lado dele, em Brasília, o presidente da Ordem, Cezar Britto, afirmou que 'tem de haver fidelidade partidária e ela é auto-aplicável'. Os dois foram levar ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva uma proposta da OAB para a reforma política.

Comparato entende que os parlamentares 'são eleitos pelo voto proporcional, que é fundado na filiação partidária'. Conclui, a partir daí, que quem muda de partido transgrediu as normas e pode ser punido. Outro é o entendimento de Tito Costa. Para ele, a única instância com base legal para julgar e punir a infidelidade partidária é o estatuto do partido - como define o art. 17º da Constituição. Esse artigo, em seu parágrafo 1º, confere às legendas competência para incluir nesses estatutos as hipóteses de perda de mandato por infidelidade.

Alberto Rollo aplaude e chama de ' decisão preciosa' a iniciativa do TSE, mas diz que fica contra ela se implicar em perda de mandato. 'Me apavora essa figura da cassação', diz ele. Voltando um pouco na história, para mostrar a complexidade do assunto, ele lembra que foi a quebra da fidelidade partidária que permitiu a Tancredo Neves e ao PMDB derrotar o candidato do governo militar, Paulo Maluf em 1985. Se a lei fosse rígida, Maluf teria sido eleito presidente para suceder ao general João Figueiredo.

A vida do político era mais dura quando vigia a Constituição de 1969, no regime militar: ela tirava o mandato de quem mudasse de partido ou votasse contra sua orientação. Esse cuidado foi deixado de lado na Constituição de 1988. O máximo de punição que se admite hoje é a que consta do art. 26 da Lei dos Partidos, que tira apenas o cargo de um político na Mesa da Câmara ou Senado ou nas comissões - mas nunca seu mandato.

'TUDO NO STF'

A chance de ocorrer alguma cassação 'é mínima, não passa dos 5% na Câmara', calcula Alberto Rollo. Sua previsão é que o presidente da Casa, Arlindo Chinaglia, nada resolverá de imediato. 'Assim, tudo vai acabar nas mãos do Supremo Tribunal Federal (STF), quem sabe daqui a uns dois meses.'

A decisão do TSE 'vai funcionar como um pontapé inicial' para que o Congresso leve adiante a reforma política, acrescenta. Antes disso, porém, ele prevê uma briga pesada entre os suplentes dispostos a assumir a vaga e os 36 parlamentares atingidos pelo parecer, que não a querem perder. Na tentativa de preservar o cargo, os atingidos poderão tentar voltar ao partido anterior - e isso pode ser feito em qualquer uma das três instâncias, a nacional, a estadual e a municipal. Os suplentes, com apoio da direção partidária, certamente tentarão impugná-los.

'DITADURA CIVIL'

Mais radical que Tito Costa e Alberto Rollo, e divergindo da direção nacional, o presidente da Comissão de Direito Eleitoral da Ordem dos Advogados do Brasil, seção São Paulo, Everson Tobaruela, considera 'absurda, uma forma de ditadura civil' a decisão do TSE.

Seu entendimento é que o partido 'não pode ser dono do mandato', pois este 'é uma procuração dada pelo eleitor'. Tobaruela diz ter estudado a fidelidade partidária em mais de 200 países e não achou esse tipo de punição em nenhum deles. O que parece estar por trás de tudo isso, em sua opinião, é uma intenção de mudar a forma de organização política. Mas fazer essa reforma política 'apenas por parte' é uma coisa 'que só interessa ao partido dominante e ao governo'.