Título: O 1º de Maio de Morales
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 03/05/2007, Notas e Informações, p. A3

Decepcionou-se quem esperava que no 1º de Maio - data do aniversário do Decreto Supremo que nacionalizou as reservas de petróleo e gás da Bolívia - o presidente Evo Morales anunciasse novas e espetaculares desapropriações. As duas refinarias que a Petrobrás tem na Bolívia continuam no limbo legal em que se encontram há um ano. Formalmente, o controle das refinarias foi desapropriado em favor da estatal YPFB, no ano passado; na prática, as refinarias continuam sob o controle da empresa brasileira.

Essa situação dúbia deve-se ao fato de que Evo Morales não consegue compatibilizar as promessas que fez aos movimentos sociais que o apoiaram nas eleições com as disponibilidades do Tesouro boliviano. O tal Decreto Supremo, por exemplo, nacionaliza as reservas de hidrocarbonetos, mas não estatiza, de fato, as instalações das empresas estrangeiras que exploram petróleo e gás na Bolívia. E Evo Morales reincide. No dia 1º de Maio, anunciou decreto que transforma em reserva mineral todo o território da Bolívia e atribui à estatal Corporación Minera de Bolivia (Comibol) os privilégios de exploração e administração do setor de mineração. A Comibol não dispõe de recursos financeiros e técnicos nem mesmo para fazer um levantamento completo das reservas que estão sendo exploradas, quanto mais para agir como agente monopolista do Estado.

No que se refere aos hidrocarbonetos, no entanto, Evo Morales teve uma atitude bastante moderada no comício de 1º de Maio. Primeiro, mandou um recado, em tom de desculpas, ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a respeito da desapropriação das refinarias da Petrobrás. ¿Eu tinha conversado com meu amigo Lula e disse a ele que tudo estaria pronto no dia 15 de abril, mas houve atraso e, agora, só dia 15 de maio.¿ Como se recorda, durante a cúpula latino-americana sobre energia, Lula teve uma conversa áspera com Morales, que ameaçava não pagar mais que metade do valor das refinarias, como indenização. Paciência tem limite, teria dito o presidente brasileiro - e parece que Evo Morales compreendeu que chegou ao limite.

Depois, Evo Morales justificou a manutenção do diálogo com as empresas estrangeiras: ¿Era impossível expulsar as empresas e confiscar. Não tínhamos dinheiro para investir. Da primeira e da segunda vez em que isso ocorreu na Bolívia, pediram que as empresas voltassem.¿ De fato, os 44 contratos com 12 empresas estrangeiras que foram registrados na manhã do dia 2 num cartório boliviano mudam o regime de exploração do petróleo e do gás - que agora pertencem ao Estado, e não mais às empresas -, mas não alteram a propriedade das instalações. O mesmo acontece nos setores de transporte e refino e, em parte, no de distribuição.

Tivesse o presidente da Bolívia reconhecido, há um ano, que o país não tinha como expropriar as empresas estrangeiras nem como tocar sozinho a exploração e comercialização de gás e petróleo, os investimentos externos não teriam secado. As empresas petrolíferas estão habituadas a trabalhar com regimes políticos instáveis e, para elas, a nacionalização das reservas de hidrocarbonetos não é bicho-de-sete-cabeças. Mas, se para elas é normal explorar petróleo alheio, é intolerável sofrer a expropriação de outros ativos. E foi isso o que Evo Morales ameaçou fazer.

Já o seu mestre, o coronel Hugo Chávez, conduziu o processo de nacionalização do setor na Venezuela com mais prudência e habilidade, a despeito da retórica revolucionária. Primeiro, promoveu uma discreta alteração de contratos, para aumentar a participação do Estado nos royalties. E no dia 1º de Maio, finalmente, consumou a ¿nacionalização¿ da faixa do Orinoco, onde está localizada a maior reserva do mundo de petróleo ultrapesado. Na primeira etapa do processo, apenas uma empresa petrolífera deixou a Venezuela - e não por discordar dos novos termos contratuais, mas por isso fazer parte de seu planejamento estratégico. No caso do Orinoco, só a ConocoPhillips não transferiu para a PDVSA 60% do negócio, o que deverá fazer até o final de junho.

A diferença entre Chávez e Morales é que a Venezuela tem uma das maiores reservas petrolíferas do mundo e muitos clientes, enquanto a Bolívia tem reservas pequenas e dois clientes.