Título: 'Temos que pensar num novo sistema'
Autor: Augusto, Claudio
Fonte: O Estado de São Paulo, 19/05/2007, Nacional, p. A10
Wálter Maierovitch, um dos maiores estudiosos no Brasil sobre a questão do crime organizado, acha que o País precisa reformar as suas instituições para combater a ação das organizações criminosas dentro do Estado. Para ele, a Polícia Federal tem de ser dividida em unidades especializadas - de fronteira, financeira, entre outras -, o que resultaria em maior eficiência na ação contra a penetração do crime organizado nas instituições, fenômeno que ficou evidente com as revelações da Operação Navalha. ¿Temos que pensar num novo sistema¿, afirma. A seguir, os principais trechos da entrevista:
Essa intersecção entre crime organizado e agente público é um fenômeno internacional?
Olha, o grande escândalo internacional foi o decorrente da chamada Operação Mãos Limpas, que se deu na Itália em fevereiro de 92. Começou com a prisão de um diretor do chamado Pio Albergo Trivulzio, que é uma espécie de Hospital das Clínicas. Começa aí e vai parar, passando por empresários (cinco deles se suicidaram de vergonha), nada mais nada menos no ex-primeiro ministro Bettino Craxi. É uma operação que mostra todos esses problemas: desvio de recursos públicos, fraudes em licitações, a propina. Me parece que isso aqui é o Brasil também. Veja sanguessugas, mensalão, furacão...
Esse nível de criminalidade sempre existiu e só descobrimos agora?
Depois da redemocratização do País, quebrou-se aquela regra básica brasileira de que aqui existiam pessoas acima de qualquer suspeita. Mas ainda temo muito o sistema brasileiro, que é único no mundo. Um sistema que tem o inquérito policial, uma apuração policial, de uma chamada polícia judiciária que não é judiciária...
Submetida ao Executivo...
E pior. Esse inquérito é um procedimento inquisitorial, em que tudo precisa ser confirmado e repetido em juízo.
O senhor recomendaria a eliminação da fase do inquérito policial?
Nós temos que pensar num novo sistema. O Brasil, quando fez o seu código de processo em 40, inovou com esse sistema de inquérito policial, que só tem aqui. Nós precisamos evoluir. Hoje nós temos aí constitucionalistas que tentam resolver questões e a palavra de ordem é cláusula pétrea. Então, quando se pensa em reduzir a idade penal vem lá: cláusula pétrea. Quando se fala alguma coisa de tributos vem lá: cláusula pétrea.
Quem comandaria o inquérito? O Ministério Público?
Precisamos criar um sistema apropriado ao Brasil. Acho que no estado de podridão que o Brasil está nós precisamos refazer tudo. Importar sistemas não dá. Precisamos criar o nosso e, evidentemente, acabar com esses corporativismos.
O setor de inteligência da PF está bem estruturado?
De repente muda o governo, há uma dança de cadeiras. Isso faz com que dentro da PF tenham aí várias alas que disputam o poder. Acho que a PF - eles não gostam que eu fale isso, mas é minha consciência - deveria ser repartida numa polícia de fronteira, uma polícia financeira. Como a gente tem na Justiça. Varas especializadas em concordata, em falência, em família, registros públicos. Acho que a PF está muito grande e a banda boa da PF está muito desprotegida. Sujeita sempre a uma perigosa desmoralização pelo que vai acontecer no processo.
É possível reduzir a ação do crime organizado dentro do Estado?
Toda essa criminalidade organizada parasitária, que ataca o Estado, gruda no Estado para sugar, sempre sabe submergir. Agora, essas organizações precisam sugar o Estado. Não tiram férias. Eles ficam esperando as brechas.
O senhor parece pessimista.
O Brasil precisa passar por uma revolução inclusive nos conceitos. O Brasil precisa de uma reforma total. Esses conceitos mal colocados - tudo é cláusula pétrea, tudo é presunção de inocência - estão levando a quê? A que essa podridão alcance órgão de poder, não só agentes de poder. Nós estamos esperando mais o quê?