Título: A discussão sobre a tarifa de pedágio
Autor: Duarte, Moacyr Servilha
Fonte: O Estado de São Paulo, 26/05/2007, Economia, p. B2

A transformação dos principais eixos rodoviários em vias auto-sustentáveis é hoje uma tendência em todos os países. A primeira razão para esse cenário é o crescente aumento dos dispêndios públicos em saúde, educação, seguridade social, segurança pública e justiça, que não pode mais ser coberto pela elevação da carga tributária. A segunda é o aumento da frota de veículos, obrigando ao uso de novas tecnologias na gestão de rodovias, que exigem flexibilidade e agilidade que o Poder Público não tem. Uma terceira é a relação custo-benefício, que é favorável ao usuário ao trocar estradas malconservadas por rodovias em boas condições de uso.

A falta de pesados investimentos em infra-estrutura de transporte pelo Poder Público nos últimos 25 anos resultou na degradação desse patrimônio, encarecendo o frete, com prejuízos para o consumidor final. Além disso, estradas em más condições significam mais acidentes. Estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) mostrou que, entre 2004 e 2005, o Brasil perdeu R$ 22 bilhões por conta de acidentes rodoviários.

Superada a discussão sobre a participação da iniciativa privada no desenvolvimento de projetos de infra-estrutura, o que é contestado apenas por pessoas com a idéia cristalizada de que cabe ao Estado o monopólio dos investimentos no setor, podemos discutir com racionalidade, a partir da bem-sucedida experiência de mais de dez anos de concessões no País, o valor da tarifa de pedágio. Segundo o Ministério dos Transportes, a tarifa se destina a cobrir quatro grandes itens: benefícios aos usuários; tributos; administração e lucro; e custos operacionais.

Os benefícios aos usuários ficam com 42,7% do valor da tarifa e incluem os trabalhos iniciais, recuperação, melhoramentos, manutenção e conservação ao longo do prazo do contrato e investimentos. Os tributos (PIS, Cofins, ISSQN, CPMF, IRPJ, CSSL) absorvem 25,4% da tarifa e os custos operacionais correspondem a 9%, incluindo atendimento ao usuário, controle, monitoração, arrecadação e pesagem. Administração e lucros ficam com 22,8% do valor da tarifa, para cobrir custos administrativos, seguros e garantias, fiscalizações e o resultado da concessionária.

Das discussões aprofundadas entre as concessionárias de rodovias e as entidades representativas dos transportadores rodoviários de carga, empresas e autônomos, conclui-se que há três maneiras efetivas para reduzir a tarifa de pedágio. A primeira é o aumento da base de pagantes, pois existem casos, como o da Via Dutra, em que somente 10% das viagens são pagas. Outra é compatibilizar os investimentos com o efetivo crescimento do tráfego. A terceira é a redução da carga tributária, que representa 25,4% da tarifa. Em 2006, por exemplo, as concessionárias recolheram R$ 1,013 bilhão, sendo R$ 753,4 milhões em pagamento de tributos federais e R$ 260 milhões do tributo municipal. De 1996 a 2005, foram recolhidos R$ 2,4 bilhões.

Usando uma dessas possibilidades, ou elas em conjunto, é possível reduzir bastante as tarifas. A isenção de tributos, aliás, já está sendo feita para outros setores, como o programa de incentivo à TV digital, com o argumento, apropriado no nosso entendimento, de que esse setor não existia e, portanto, não se perde receita.

O governo federal preferiu seguir outro caminho, para tentar conciliar as necessidades de investimentos em rodovias com a resistência de alguns aliados políticos, utilizando mecanismos como a redução da estimativa dos custos das obras e das despesas operacionais e da margem de lucro do investidor a patamares inferiores aos dos países desenvolvidos. Resta a dúvida se essa opção se mostrará viável a médio e a longo prazos, considerando especialmente a obrigação da concessionária de, em dois anos, dentro dessas condições, ter suas ações negociadas em Bolsa.

O Brasil deu um passo na direção certa quando decidiu conceder rodovias à administração privada nos anos 90. As rodovias concedidas são uma forma eficiente de aumentar a produtividade global do País, com grandes vantagens para os usuários, que ganham em segurança, rapidez, economia de combustível e melhor aproveitamento da frota de cargas. Rodovias de qualidade e com serviços de apoio são indispensáveis para o crescimento econômico, o que empresários e trabalhadores clamam há anos, e que, corretamente, o atual presidente colocou como sua prioridade.