Título: À espera do próximo escândalo
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Fonte: O Estado de São Paulo, 22/05/2007, Notas e Informações, p. A3

Cada vez que se toma conhecimento de um novo e disseminado esquema de corrupção envolvendo empreiteiros, políticos e administradores, como este lancetado pela Operação Navalha, cujo pivô é uma certa Construtora Gautama, de um tal Zuleido Veras, tem-se uma poderosa razão adicional para acreditar que outras bandalheiras, tão ou ainda mais cabeludas, continuam a ocorrer, com os mesmos tipos de personagens, pelo território nacional. Por dois motivos entrelaçados, dos quais difícil é distinguir o pior. O primeiro é que essa tende ser a regra e não a exceção no relacionamento - ou melhor, no contubérnio - entre, de um lado, vendedores de bens e prestadores de serviços ao poder público e, de outro, os seus agentes municipais, estaduais e federais: prefeitos, governadores, deputados, senadores, ministros, assessores, ad nauseam.

O segundo é que esse padrão se nutre de outra regra geral: a da impunidade dos corruptores e corruptos identificados espetacularmente a cada operação policial. Daí a impossibilidade de dizer, vexame depois de vexame, que, agora sim, é o cúmulo. Noticiou-se no fim da semana que, a contar de 2003, a Polícia Federal prendeu mais de 5.200 pessoas em 284 operações com títulos chamativos (Cavalo de Tróia, Feliz Ano Velho, Pororoca, Sanguessuga¿). No que deram todas essas sortidas, detenções, inquéritos, processos? A resposta é dispensável. Tome-se o caso específico da Gautama. A construtora, sediada em Salvador, surgiu em 1995. Apenas se pode imaginar o que terá feito desde então o empreiteiro Zuleido, antes desse nome peculiar se difundir no noticiário, enquanto ele construía uma vida de fausto, proporcionada por seus escabrosos arranjos de mútua conveniência com os freqüentadores dos caminhos que levam ao erário.

Aqui e ali, surgia uma pista - mas nada que não se esquecesse logo. Em fins de 2001, por exemplo, publicou-se que, três anos antes, o Tribunal de Contas da União (TCU) flagrou um provável superfaturamento de R$ 3,6 milhões nas obras, a cargo da Gautama, da sede do Tribunal de Justiça do Maranhão. Era ministro da Justiça o atual presidente do Senado, Renan Calheiros, que admite conhecer Zuleido há 20 anos, mas nega saber dos seus malfeitos e proclama não ter ¿compromisso com o erro¿. Em setembro passado, informou-se que o TCU mandou parar 9 obras da Gautama, em 6 Estados, por graves evidências de fraudes. Isso não a impediu de receber R$ 70 milhões da União para um projeto em Alagoas - a pedido do senador Calheiros. ¿O poder de investigação do TCU é tão limitado que permite a empresas sistematicamente envolvidas em irregularidades que continuem atuando livremente¿, aponta o procurador-geral do órgão, Lucas Furtado. ¿É o caso da Gautama.¿

O modus operandi dos mafiosos das obras públicas, no seu relacionamento com os políticos, se desdobra em dois planos. Um é o da ¿compra¿ pura e simples daqueles dos quais depende a definição e a realização de obras com licitações viciadas e preços superfaturados. Nesse balaio podem estar mandatários como o prefeito de Camaçari, Bahia, Luiz Carlos Caetano, do PT; o atual governador do Maranhão, Jackson Lago, do PDT, e o anterior José Reinaldo Tavares; o ministro de Minas e Energia, Silas Rondeau, do PMDB; e deputados autores de emendas ao Orçamento da União para os projetos de interesse dos seus benfeitores. A Polícia Federal apurou que o baiano Paulo Magalhães, do DEM, sobrinho de ACM, recebeu R$ 20 mil da Gautama.

O outro plano é o dos agrados e favores aos políticos. Em novembro último, o governador da Bahia, Jaques Wagner, e a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, ambos do PT, fizeram um giro pela Baía de Todos os Santos a bordo da portentosa lancha de Zuleido, emprestada a um assessor de Wagner. A ministra do PAC diz não conhecer o empreiteiro - e deve ser verdade. Em abril, o senador Delcídio Amaral, do PT de Mato Grosso do Sul, precisou viajar com urgência a Barretos, em São Paulo, para o enterro de um familiar. Um amigo conseguiu-lhe um bimotor - graças a Zuleido que bancou o aluguel do avião. Delcídio diz que não sabia de nada - e também deve ser verdade. Mas é dessas redes de contatos que se formam as relações espúrias para o assalto continuado aos cofres públicos.