Título: O PAC da Ciência e Tecnologia
Autor: Mello, Luiz Eugênio
Fonte: O Estado de São Paulo, 16/05/2007, Economia, p. B2

Nada melhor do que iniciar um novo mandato com um novo plano. Por outro lado, freqüentemente planos e metas se traduzem em palavras soltas, números genéricos e, sobretudo, escassa indicação de como podem ser alcançados os objetivos maiores almejados. Freqüentemente planos e metas envolvem ampla análise e estudos diagnósticos que, sozinhos, consomem consideráveis parcelas de recursos e, por fim, inviabilizam a execução própria do plano em si, ao esgotarem o tempo disponível para ação. Felizmente já se foi o tempo em que imbecis temporariamente guindados à posição de ministros de Estado afirmavam ser mais barato comprar tecnologia pronta do exterior do que desenvolvê-la no País. Contudo não parece haver ainda a clara compreensão das raízes estruturais do nosso subdesenvolvimento científico e sobretudo tecnológico. Em tudo isso é realmente notável que lições básicas - criadas não na China, Coréia ou quaisquer exemplos externos, mas no próprio Brasil - não sejam aproveitadas na sua devida dimensão. O Estado de São Paulo produz 50% da Ciência do País. Esse mesmo Estado tem o maior número de unidades geradoras de patentes e a universidade com mais patentes no País. Tem ainda a maior quantidade de interações entre universidade e indústria. Qual o ambiente gerador desse sucesso? Qual a centelha responsável pela ignição? Em uma palavra: Fapesp. Uma leitura menos atenta poderia sugerir que sempre foi assim. Que o desenvolvimento em C&T no Estado de São Paulo é maior porque essa é a principal economia do País. Nada mais longe da verdade. De fato, análise da produção científica do País mostra que, antes do advento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), o Rio de Janeiro contribuía com cerca de 50% dos artigos indexados publicados pelo Brasil e São Paulo ficava na casa dos 20%. Em um breve período de 10 anos, entre 1960 e 1970 (a Fapesp foi oficialmente criada em 1962), esses números se inverteram e permanecem assim até hoje. E por que o CNPq não conseguiu esse feito em escala nacional? Por que as várias Fundações de Amparo à Pesquisa (FAPs) não alcançaram esse resultado? A razão primeira: nenhum deles tem autonomia financeira. Nem o CNPq nem as FAPs têm patrimônio que rende juros e permite bom grau de independência em relação à área econômica governamental. Cerca de 30% dos recursos anualmente despendidos pela Fapesp vêm dos rendimentos de aplicações próprias. Mesmo que o governo estadual quisesse, não lhe seria possível contingenciar esses recursos. São próprios. Nem CNPq, nem Finep, nem qualquer outra FAP têm esse patrimônio. Dentre os vários truques de prestidigitação que já pude ver em minha vida acadêmica incluem-se o Pronex e o Milênios, apenas para citar os mais recentes. São todos anunciados com pompa e circunstância. São todos pequenos programas autolimitados e sem seqüência. São todos um alívio breve e transitório para grupos de excelência não sucumbirem à impressionante descontinuidade de ação dos governos federais, desde décadas imemoriais. Os Fundos Setoriais foram criados exatamente para eliminar essa descontinuidade. A criatividade da área econômica conseguiu o inimaginável feito de contingenciar recursos que não são seus. Conseguiu a proeza de se apropriar indevidamente de dinheiro aplicado pelas empresas. São cerca de R$ 7 bilhões que deveriam estar sendo aplicados no financiamento à pesquisa e ao desenvolvimento científico e tecnológico, mas que estão sendo retidos com base em desculpas as mais variadas. Constituir um patrimônio, tirando esses recursos das mãos do governo, e garantir sua plena aplicação, a exemplo do que ocorre com a Fapesp, poderia ser a ação fundamental do PAC da C&T. Enquanto os governos não entenderem que a principal praga que assola a C&T no Brasil é a descontinuidade, continuaremos fazendo truques de mágica, sem de fato promover a pesquisa e o desenvolvimento do País. Espero que o PAC da Ciência e Tecnologia, a ser lançado proximamente, inclua a instauração desse patrimônio independente, a exemplo do que, há 40 anos atrás, foi feito para a Fapesp pelo então governador Carvalho Pinto. Não precisamos nos mirar nos tigres asiáticos quando temos soluções à mão aqui mesmo no Brasil.