Título: Alunos adotam liderança rotativa e barram imprensa
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 23/05/2007, Vida&, p. A16

Entre os cerca de 200 alunos que se revezam na ocupação da reitoria da Universidade de São Paulo (USP) - número fornecido por eles mesmos, já que não permitem a entrada da imprensa -, estão em grande parte jovens com camisetas de partidos políticos como PSOL e PSTU que estudam na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH).

Apesar de serem de facções diferentes do movimento estudantil, alguns radicais, outros moderados, incluem Marx e Trotsky nas citações e repetem o discurso a favor da democracia e contra ¿os decretos do governador José Serra que ferem a autonomia universitária¿.

Estudantes e funcionários, além de pessoas favoráveis à ocupação, são liberadas pelos ¿porteiros¿, cerca de cinco alunos que ficam na entrada da reitoria verificando a posse da carteirinha da USP, o passaporte para permanecer no local. Membros do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST) podem transitar livremente pela ocupação e distribuir panfletos sobre o acampamento em Itapecerica da Serra.

Representantes da reitoria, da polícia, do governo e da imprensa são barrados. Quando questionados sobre critérios, respondem que foram votados em assembléia e que se trata de uma ¿decisão política¿.

RODÍZIO DE LÍDERES

Desde o primeiro dia, quando a invasão foi decidida em uma votação feita em frente ao prédio, alguns alunos se revezam como porta-vozes, evitando que alguém assuma uma liderança única. Na semana passada, em assembléia durante a noite, o movimento reuniu cerca de 2 mil estudantes, o maior número que aglomeraram até agora. A USP tem aproximadamente 80 mil alunos.

¿É tudo horizontal, todas as decisões são feitas com base na maioria¿, explica Wady Issa Ferreira, aluno de Ciências Sociais, que ontem ocupava o cargo rotativo de representante do movimento e não se importava em dar seu nome - muitos estudantes temem aparecer ou se identificar e depois sofrer represálias da administração da USP. Anteontem, após se reunirem com a reitora, o porta-voz eleito foi o estudante de Ciências Sociais Carlos Gimenez.

Na descrição de estudantes, o processo está mais para um movimento anárquico do que coeso. As decisões são tomadas após horas de debate: em cada plenária, cerca de 30 alunos se inscrevem para ter a palavra e expor seus pontos de vista.

Dentro do prédio, eles estão divididos em comissões de organização, cada uma delas formada por alguns estudantes, nem sempre os mesmos nessas quase três semanas. Comunicação, segurança, limpeza, alimentação, finanças e cultura - responsável pela rádio e pelos eventos culturais, incluindo debates, palestras, peças de teatro, um churrasco e uma cervejada.

Não há requisitos para entrar ou sair das comissões. Uma estudante de Ciências Sociais diz que participou da área de comunicação, mas desistiu. ¿Ela é auto-proclamada, qualquer um que estava na sala da comissão virava membro.¿

De acordo com Ferreira, só o andar térreo foi ocupado, mas algumas salas estão trancadas. Os cômodos são usados pelas comissões e plenárias, e os corredores ficam reservados como dormitório. Visitantes como o senador Eduardo Suplicy (PT)afirmaram que a parte interna do prédio parecia organizada.

Até agora, foram poucos os conflitos entre estudantes. Uma ocorrência comentada pelos corredores da reitoria é uma denúncia de assédio sexual. De acordo com Ferreira, o fato foi aumentado por boatos e até discutido em plenária. ¿Mas os dois conversaram em particular, pediram desculpas e fizeram as pazes.¿ Ambos continuam na ocupação.

É proibida a entrada de bebidas alcoólicas no prédio e, quando há festas, ¿todo mundo fica responsável pela segurança de todos¿, explica Ferreira. Uma outra ocorrência relatada se refere a um aluno que, bêbado, urinou em uma caixa de som.

Segundo o representante, nenhum aluno foi expulso por mau comportamento. No entanto, também por votação, o Diretório Central dos Estudantes (DCE), em sua maioria formado por militantes do PT, que havia divulgado uma nota oficial a favor da desocupação na semana passada, foi expulso da comissão de negociação. ¿Achamos ruim, queríamos mais democracia interna¿, diz uma das diretoras, Léa Marques.