Título: Euforia agravada
Autor: Macedo, Roberto
Fonte: O Estado de São Paulo, 24/05/2007, Espaço Aberto, p. A2

Volto à euforia que tomou conta de autoridades do governo federal ao falar da economia. De um mês para cá ela se agravou, ao receber estímulos como os novos dados do produto interno bruto(PIB) e a reclassificação do Brasil por duas agências internacionais de avaliação de risco.

No uso comum, euforia significa entusiasmo ou alegria em exagero, mas essa é uma extensão do significado original, bem mais esclarecedor. Segundo meu dicionário, é um estado psicopatológico ¿caracterizado por alegria, despreocupação, otimismo e bem-estar físico, mas que não corresponde nem às condições de vida, nem ao estado físico objetivo¿.

A euforia do governo tem esse ¿mas¿ em vários aspectos. Das Contas Nacionais revisadas pinçou o que lhe interessava, um pequeno aumento das taxas de crescimento, o que não eliminou a mediocridade de desempenho que os dados anteriores revelavam. Quanto ao que veio de ruim, as menores taxas de investimento em capital fixo, sem cujo substancial aumento um crescimento efetivamente robusto não virá, não despertaram maiores preocupações, muito menos providências corretivas adicionais.

Afinal, o governo tem agora seu Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Promete força e aceleração, pouco importando se o motor do PAC está mais para 1.0 de capacidade, enquanto a fraca e vagarosa economia carece de um 3.0.

Na classificação de risco, feita por agências que prestam serviços a credores, o que interessa mesmo é se o País é um bom pagador. E como é! Paga em dia os maiores juros do mundo! Nas classificações dessas agências, o Brasil continua levando merecidos Bs, pois um deles lhe cabe como bobão da corte financeira internacional.

Mesmo olhando os juros lá em cima, o governo se vangloria de que a taxa fixada pelo Banco Central (BC) está caindo. Mas o BC segue seu próprio PAC, o da Parcimônia Ainda que Custosa. Com a inflação há muito tempo dentro da meta e o dólar tão barato, mais a ajuda de preços chineses que agora aliviam o trabalho dos bancos centrais no combate à inflação, ainda assim nosso BC insiste com seu PAC. De todo o blábláblá com que o defende, o argumento que ainda se sustenta é a falta de colaboração do governo que integra, pois sua gastança não colabora no alívio de pressões sobre os preços.

Aliás, o dicionário também esclarece que a euforia apresenta sintomas associados a intoxicações, como as de drogas. A gastança é a grande intoxicação do governo, que para sustentá-la assalta os bolsos da sociedade. Temo que parte da euforia venha do fato de que os novos números do PIB reduziram um pouco a proporção entre a dívida pública e esses números. No Brasil, já que a sociedade é indefesa, essa proporção é que funciona como freio à expansão dos gastos públicos. Assim, pode ser que o governo esteja eufórico por ver na sua redução recente um maior espaço para se intoxicar ainda mais.

Mas, se quisermos saber como o governo gasta, os jornais mais uma vez mostram páginas e páginas de mais um caso emblemático, com evidências de que o dinheiro sai por ladrões que carregam nos preços de obras e o jabá entra pelo elevador que dá acesso a um gabinete. Felizmente, a euforia dos que no governo falam sobre a economia não vem dessa patologia, mas deveria servir ao menos para que contivessem seu entusiasmo quanto ao andar da carruagem.

O entusiasmo do chefe maior, com seu ¿nunca neste país¿, nunca convenceu os que permanecem como testemunhas da História, exceto quando refletem sobre escândalos como esse que está nos jornais. Entre pesquisadores acadêmicos, é uma tese carente de teoria, pois na análise dos fatos despreza as circunstâncias de cada momento histórico, e tampouco convence pelas evidências empíricas. Parece, contudo, que a tese vem ganhando adeptos no governo, com destaque para declarações recentes do ministro Guido Mantega.

Em particular, em entrevista à jornalista Lu Aiko Otta, publicada neste jornal no domingo, saiu-se com esta: ¿Está melhor do que no governo JK.¿ Mantega procura ponderar as circunstâncias, ao dizer que ¿o que muda em relação a outros momentos de bonança (sic) é que não temos apenas uma parte de indicadores econômicos e sociais que melhoraram, mas uma combinação inédita¿.

Reconhece que no período JK o crescimento era muito maior, mas aponta indicadores negativos da época, como a inflação e o endividamento externo. Vendo uma bonança que se limita ao lado financeiro da economia, e esta num ciclo virtuoso, insiste em que a tal ¿combinação inédita¿ é hoje muito mais favorável, sem se deter, contudo, nos muitos fatores também negativos do momento atual.

Assim, em matéria de crescimento acelerado - o objetivo maior procurado -, além de um fraco resultado, a situação atual tem travas que não existiam no governo JK. Em particular, a alta carga tributária, que hoje muito prejudica os investimentos privados, e a enorme dificuldade de o governo financiar uma grande expansão dos seus próprios investimentos, dados o seu alto endividamento interno e o fato de que gasta quase tudo o que arrecada em outros gastos.

JK é muito lembrado pelo seu Plano de Metas, mas como lema adotava o chamado ¿Binômio Energia e Transportes¿. Ou seja, não descuidava da infra-estrutura, fundamental para um maior crescimento econômico.

Já se pode afirmar que o governo Lula ficará longe das taxas de crescimento de JK. Se quiser entrar na história de um crescimento desse tipo, ainda que com resultados mais à frente, terá de atuar sobre as referidas e outras travas, que também são uma combinação inédita. Só que, tão permanentes há tanto tempo, passam freqüentemente despercebidas, em particular em estados de euforia.