Título: 'Alunos não pararam na hora certa'
Autor: Nunomura, Eduardo
Fonte: O Estado de São Paulo, 25/06/2007, Vida&, p. A16

Partiu dos alunos e não do governador José Serra ou da reitora Suely Vilela a iniciativa de abrir o diálogo para negociar o fim da ocupação da reitoria da USP. E por inexperiência deles é que a ocupação se arrastou por 50 dias, ao não saberem sair no momento certo e como vitoriosos. Quem faz essa análise é a jornalista Rose Nogueira, presidente do Conselho Estadual dos Direitos da Pessoa Humana. Presa e torturada na ditadura militar, por dar abrigo a Carlos Marighella e a frei Betto, Rose começou no dia 21 de maio a mediar o conflito a pedido dos alunos, a quem chama de ¿meninos¿.

Paciente e bem-humorada, a jornalista chegou a se irritar com a série de idas e vindas até se chegar a um consenso entre os estudantes e vê positivamente os resultados da crise que ela ajudou a debelar. ¿Estamos conhecendo uma juventude combativa e isso muda um país. Se tivessem saído no momento certo, iriam abalar as estruturas. Não abalam porque são meninos¿, afirma.

Seu primeiro contato com os universitários foi quando acompanhou o encontro deles com o senador Eduardo Suplicy (PT-SP). Depois, por intermédio do advogado Idibal Pivetta, que fora chamado pelos universitários, foi convencida a atuar como mediadora. A seguir trechos da entrevista ao Estado:

Como começou a negociação pelo fim da crise da USP?

Uns três ou quatro alunos sentaram comigo e disseram que queriam negociar com o governador e com a reitora. Com o governo discutiriam a questão dos decretos e se chegassem a um bom termo sairiam da reitoria. Não houve iniciativa do governo. Aí o José Serra mudou os decretos e os alunos não honraram o acordo. Na hora que um governador faz outro decreto dando aquilo que você está pedindo, é porque você tem força. Aí começaram a discutir picuinha com a reitora. Diziam que queriam mais.

Eles erraram?

A ocupação deveria ter acabado um dia depois que o Serra assinou o decreto declaratório. Se queriam ter vitória política, perderam a oportunidade.

Quem teve a idéia do decreto declaratório?

Foi o professor Fábio Konder Comparato que sugeriu, mas não com esse nome. Bastaria colocar uma linha a mais - ¿isso não vale para as universidades estaduais¿ - e assinar um decreto. Antes de publicar, o (secretário de Justiça, Luiz Antonio) Marrey, que sabe negociar e entende de política, me ligou e disse: `Avise aos meninos que o Serra vai assinar um decreto declaratório.¿ Em primeiro lugar a maioria dos estudantes não acreditou ou não prestou atenção. Eles tinham essa coisa.

E por que a ocupação prosseguiu?

Eu disse a eles: isso aqui quer dizer `revogou¿. Um aluno disse para nós que claro que esse povo sabe que o decreto já foi revogado, mas vai fazer de conta que não sabe. Eles tinham várias posições e vinham nos contar. Havia aqueles que queriam sair, mas diziam que não ganhavam (nas assembléias). Na segunda reunião com o Marrey, me deixaram quase louca. Me procuraram e disseram que faziam questão da presença da reitora. Chegamos lá, eles a viram e disseram que queriam negociar em separado, que com ela eram coisas da universidade. Fiquei muito brava. Para que eles queriam a reitora lá então?

Nas negociações, faltou pulso firme da reitora?

Ela não esperava. Eles me disseram que não foi só uma vez que tentaram marcar uma reunião e quando ela marcou não apareceu. Aí resolveram: vamos ocupar a reitoria. Numa das reuniões, ela me falou que não tinha mais o que falar, estava concordando com tudo. Estava muito brava, com toda razão, porque só soube dos condicionantes (para a desocupação) pelo blog deles.

Não havia líderes?

Eles tinham muita divergência. Me pareceu que, fora o pessoal de sindicato, que é mais politizado, os alunos estavam sem muita noção. Mas cresceram muito, de repente começaram a pensar no País, na sociedade, na universidade.

Dizem que a reitora não foi boa negociadora.

Não. Os meninos também não foram. Ela foi dura e eles, também.

Qual foi a razão da explosão?

Foi porque eles tentaram entregar as reivindicações para a reitora e ela não apareceu. Mas claro que havia coisa de partidos, em todo lugar tem.

Tudo era novo para os alunos?

Uns falavam em `instituinte¿ (sic). Não tinham noção do que era um estatuto. Depois, exigiram que o resultado do Congresso fosse o novo Estatuto da USP. Ora, o resultado de um congresso não é um estatuto. Ou seja, não sabiam nem o que era congresso, nem estatuto.

Até para negociar eles eram inexperientes...

Percebi uma mudança enorme do primeiro para o segundo encontro com o Marrey. Na primeira reunião, um aluno chegou a falar para ele: eu quero falar com o Serra, não com você, quero falar com o governo. Aí o Marrey falou: `sou o representante do governador e do governo¿. Perguntaram quem é que ia representar o governo. Eu disse que era o secretário de Justiça. Aí falaram: mas ele é da Justiça, como se fosse do Judiciário. Aí, falei: `Ah, menino, não enche o saco.¿

Daí os 50 dias...

Foi uma loucura, fiquei doente. Dizia a eles: ou a comissão de negociação tem poder ou não tem. Ela vai lá, negocia e o máximo que pode trazer é uma proposta para a assembléia. `Vocês não sabem fazer¿, disse para eles. Se ela (reitora) aceitou tudo isso, vão votar o quê? `Ah, não queremos que ela aceite¿? Foi inexperiência total. No máximo era para levar a resposta para a assembléia. Se a outra parte aceitou tudo, vocês vão submeter a nova assembléia?

Como negociadora, o que sairá de positivo nesse episódio?

Estamos conhecendo uma juventude combativa e isso muda um país. Se tivessem saído no momento certo, iriam abalar as estruturas. Não abalam porque são meninos. Não acredito em novas ocupações, porque sabem que vai ser essa coisa sem saída. Agora perdeu o elemento surpresa, que foi fundamental.