Título: USP - invasão, moda e autonomia
Autor: Macedo, Roberto
Fonte: O Estado de São Paulo, 07/06/2007, Espaço Aberto, p. A2

Segundo o noticiário, a União Nacional dos Estudantes (UNE) promoveria ontem um ¿dia de ocupações¿ em universidades federais, para reivindicar ¿ampliação de vagas e repudiar o contingenciamento de verbas, os juros altos e o superávit primário¿. Quem elaborou essa pauta deve ter-se frustrado com a ausência de um acordo do Brasil com o Fundo Monetário Internacional (FMI), que poderia engrossá-la. O noticiário também significa que a invasão da Reitoria da USP pode virar moda, e nas federais do Paraná, de Pernambuco e do Rio Grande do Sul os ensaios já começaram na terça-feira.

O título acima fala de invasão; os invasores dizem que é ocupação e insistem numa diferença. Aliás, soube que no sábado o cantor Tom Zé, num show no local invadido, foi corrigido pela platéia quando falou de invasão. Se consultassem um dicionário, os invasores veriam que ocupação também significa invasão, de propriedade. E que invasão também é ocupação, pela força, como o fizeram.

Com isso se configurou a ilegalidade da ação e a reintegração de posse foi determinada pela Justiça. A decisão ainda não foi cumprida, mas foi válido o esforço de negociação para uma desocupação pacífica, realizado pela reitora da USP, professora Suely Vilela. O governo do Estado insistiu muito nisso, inclusive reafirmando a tal autonomia universitária, no sentido dado pela reitora da USP, ao qual voltarei neste texto.

Entretanto, tudo indica que os invasores querem prosseguir sua ação, pois pretendem que a universidade e o governo do Estado se curvem às suas várias reivindicações. Mas é mais que isso. Para as lideranças do movimento, ele é um sucesso, e a desocupação pela força pode ser a glória.

São grupos minoritários e radicais que atuam no movimento estudantil. Soube que na vanguarda e na administração da invasão está uma tal Aliança da Juventude Revolucionária (AJR), ligada ao Partido da Causa Operária (PCO), em estranha união com militantes de partidos mais visíveis e não tão radicais, como o PSOL e o PCdoB. O apoio petista é mais claro nas entidades de professores e funcionários que apóiam a ocupação, mas as contradições serão acentuadas se invasões do mesmo tipo ocorrerem nas federais e virarem outro bagre no colo do presidente Lula. Junto desses grupos politizados há pessoas solidárias por várias razões, inclusive a festiva e a sua própria desocupação.

Por falar em minorias, há que contrapor a maioria de professores, funcionários e alunos, em geral omissa e acomodada diante da deplorável situação. Por isso mesmo, merece aplauso a iniciativa de alguns professores que, ontem, fizeram uma passeata contrária à invasão. É preciso repetir e engrossar movimentos como esse.

Outra hipótese seria vencer os invasores pelo cansaço. Manter a invasão não é fácil e foram criados atrativos como o show citado e a festa junina que ocorreu na segunda-feira. Quando se trata de passar a noite no local, as minorias ficam ainda menores.

Essa hipótese, entretanto, deixaria mal as autoridades que cuidam do assunto, pela sua leniência diante dele. Ademais, já cresceu de dimensão e poderá ficar ainda mais grave, com a moda virando um estilo, como o de Chanel. Aí a USP e outras universidades públicas teriam de conviver com uma espécie de MST interno, com sua guerrilha de invasões, ocupações, instalações e outras práticas a seu gosto.

Tudo isso ponderado, sou pelo cumprimento da ação de reintegração de posse, nesse e noutros casos do mesmo tipo que venham a ocorrer.

Retomo o tema da autonomia universitária. Para a reitora da USP, conforme artigo seu na Folha de S.Paulo (Excelência da USP é maior que seus conflitos, 17/5), essa autonomia ¿se faz com dotação orçamentária garantida e liberdade de aplicação de recursos em projetos definidos pelo planejamento estratégico da instituição¿.

Ora, essa é a mesma autonomia de um jovem que recebe mesada dos pais. Na USP, a do Estado paizão é enorme, perto de R$ 200 milhões por mês, mas isto está aquém das necessidades da universidade. Ainda que tida como excelência no Brasil, ela não pode, neste mundo globalizado, se contentar em ser a 97ª entre as 3 mil ¿melhores¿ do mundo, do que se orgulha a reitora.

Assim, em lugar de se afundar num problema como esse da invasão, que não passa pela cabeça dos reitores das escolas que estão no topo dessa lista, para ser efetivamente autônoma o que a USP precisa debater é como usar melhor o grande volume de recursos de que já dispõe. E, ainda, como conseguir mais recursos por seus próprios meios, enfrentando, em particular, o tabu da gratuidade do ensino, já que acolhe milhares de estudantes que poderiam pagar mensalidades, pois o fizeram no ensino fundamental e médio. Ao mesmo tempo, carece de recursos para atender a uma das legítimas reivindicações dos invasores, ainda que isso não legitime a sua ação.

Trata-se de dar sustento ao estudante carente de recursos, para que ele se possa manter sem trabalhar, e assim em condições de atender aos requisitos de cursos mais exigentes. Há tempos defendo esse estudante pago, o que vai muito além do ensino gratuito. Conheço bem o seu enorme significado, pois tive oportunidade de me beneficiar dessa condição, ainda que só na pós-graduação.

Do Estado paizão a USP não deve esperar mais recursos além dos que já recebe como proporção do ICMS, pois ele tem, com muita razão, outras prioridades educacionais, no ensino básico e no profissionalizante.

Assim, se não quiser ficar apenas no Vossa Excelência nacional, cabe à USP buscar os caminhos de uma verdadeira autonomia, capaz de projetá-la como uma universidade de classe mundial.