Título: Novas perspectivas para os hospitais do SUS
Autor: Temporão, José Gomes
Fonte: O Estado de São Paulo, 30/06/2007, Vida&, p. A34

O Brasil tem mais de 2.500 hospitais públicos, a grande maioria, municipais. Com poucas e reconhecidas exceções, são organizações que, ao longo dos anos, se deterioraram e têm pouca credibilidade da população, além de condições de trabalho inadequadas para seus profissionais. Várias pesquisas mostram que, em geral, os hospitais públicos que apresentam melhor desempenho, funcionários mais motivados e, sobretudo, maior capacidade de resposta às demandas dos usuários do SUS, têm algum mecanismo que agilize a sua gestão. A grande maioria dos hospitais universitários, por exemplo, está associada a uma fundação privada de apoio.

Mesmo no âmbito do Ministério da Saúde há fundações privadas de apoio no Instituto Nacional do Câncer (Inca), no Instituto de Cardiologia e no Hospital Geral de Bonsucesso. O Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia (Into) e mesmo o Hospital dos Servidores já contaram com estruturas semelhantes. No Estado do Rio, o reconhecido Hemorio também conta com uma fundação de apoio. Em São Paulo, o Estado criou as organizações sociais, entes privados não lucrativos, para operar hospitais públicos. Os exemplos de busca de autonomia por meio de entes ou lógicas privadas associadas às públicas multiplicam-se pelo País.

As pesquisas apontam, tanto no Brasil como internacionalmente, que a gestão hospitalar exige modelos mais autônomos de gestão dada a complexidade dos seus processos de trabalho, sempre a demandar respostas ágeis e de qualidade com a finalidade de garantir a vida de seus pacientes, além de custos adequados. A administração direta ou autárquica não se ajusta mais às exigências contemporâneas da gestão hospitalar. Se queremos uma atenção hospitalar eficiente e com qualidade em todo o País, esse modelo está superado!

No Brasil, o governo federal até o momento não havia formulado um modelo para enfrentar tão grave gargalo do SUS: a gestão hospitalar pública. De um lado, é preciso superar até mesmo os modelos que vêm alcançando resultados, mas que são juridicamente questionáveis ou mesmo já definidos como ilegais, como as fundações privadas de apoio, as cooperativas ou outras formas disfarçadas de privatização, precarização do trabalho, etc.. De outro lado, é preciso dar alternativas aos hospitais que ainda estão submetidos à rigidez da administração direta ou autárquica, bastante burocratizadas e sem agilidade para responder com eficiência e qualidade às demandas da sociedade.

O governo federal finalmente assume, ao final de 2005, a iniciativa quanto à formulação de um novo modelo de gestão para os hospitais públicos. O elemento central do projeto a ser encaminhado ao Legislativo está relacionado com a dimensão da autonomia de gestão, a ser conferida ao novo ente jurídico-administrativo, mantendo-se sua condição absolutamente estatal e pública.

Em síntese, a nova figura jurídica a integrar a administração pública brasileira é uma fundação estatal, com natureza pública e submetida ao regime do direito administrativo privado. Disporá de autonomias reguladas nas áreas de gestão de recursos humanos, que passa ao regime da CLT com manutenção de concurso público, e também para as compras e contratos, patrimonial, orçamentária e contábil. A sua configuração mantém as autonomias já típicas das empresas públicas ressalvando, pela natureza fundacional, a sua condição para atuação exclusiva em áreas de natureza social, tais como a saúde, educação, ciência e tecnologia, desporto, cultura e turismo, dentre outras.

A nova alternativa jurídico-administrativa de base autonomista é seguramente uma condição necessária para novos modelos de gestão aplicáveis aos hospitais públicos, mas certamente imporá aperfeiçoamento do sistema maior - as redes municipais e estaduais de saúde. Dimensões como acesso, continuidade do cuidado, foco nas necessidades de saúde, complementaridade entre serviços hospitalares e não hospitalares, somente são alcançáveis mediante mecanismos cooperativos, pactuados no sistema de saúde, papel das secretarias e seus gestores.

Como espécie de contrapartida à autonomia de gestão conferida, as fundações estatais se submeterão a contratos de gestão, mecanismo regulador de sua produção e qualidade, bem como dos recursos financeiros para o seu funcionamento. O contrato de gestão implica a explicitação de compromissos e metas almejadas, favorecendo a instauração de uma cultura de resultados no hospital. Entre outras exigências para o continuado aperfeiçoamento do Sistema Único de Saúde, o campo da gestão estava a merecer inovações.