Título: Defesa de direitos sofre distorção
Autor: Diehl, Jackson
Fonte: O Estado de São Paulo, 01/07/2007, Internacional, p. A24

Como está o movimento global em favor dos direitos humanos no sétimo ano do século 21? Se o primeiro ano do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas for uma indicação, pode-se dizer que esse movimento está cada vez mais débil e cínico - parcialmente por causa da moralidade flexível de alguns dos governos e grupos que alegam estar comprometidos com os valores democráticos.

Em sessão realizada há quase duas semanas em Genebra, o conselho - criado há um ano numa tentativa de reformar a Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas - ouviu com atenção os relatórios dos enviados especiais indicados pelo órgão predecessor, que condenavam os governos de Cuba e Bielo-Rússia. O conselho, então, aboliu os cargos dos dois ¿relatores¿ numa manobra orquestrada por seu presidente, que declarou ter havido um ¿consenso¿, apesar das objeções claras do embaixador do Canadá, para quem tal acordo não existiu.

Depois de concluir o exame minucioso daquelas ditaduras, o conselho decidiu criar um item especial e permanente na sua agenda de trabalho: ¿a situação dos direitos humanos na Palestina e em outros territórios árabes ocupados¿. Em outras palavras, Israel (ou ¿Palestina¿, na terminologia do conselho) será a única entre as nações do mundo a ser submetida a um exame contínuo e por tempo indeterminado. De acordo com registros do primeiro ano de atividades do conselho, 11 resoluções foram dirigidas ao Estado judeu. Nenhuma criticou outro governo.

O genocídio no Sudão, a escravidão infantil e as perseguições religiosas na China, a repressão em massa no Zimbábue e em Mianmá (ex-Birmânia), os assassinatos patrocinados pelo Estado na Síria e na Rússia e os atentados suicidas cometidos pelos movimentos terroristas árabes não receberão uma atenção sistemática do órgão mundial encarregado de monitorar a situação dos direitos humanos. Essa atenção é reservada apenas para Israel, um país democrático que tem sido condenado por violações de direitos humanos, mas também se encontra sob ataques constantes de terroristas e governos abertamente empenhados em sua extinção.

A antiga Comissão de Direitos Humanos, desacreditada pelo ex-secretário-geral da ONU Kofi Annan por ¿lançar uma sombra sobre o sistema das Nações Unidas como um todo¿, condenou Israel com freqüência, mas também, regularmente, adotou uma meia dezena de resoluções por ano sobre países que mais desrespeitavam os direitos humanos.

Para o novo conselho, o único alvo é Israel. Dezoito dos 19 Estados citados como ¿os piores entre os piores¿ (Israel não está na lista) pelo grupo de monitoramento Freedom House foram ignorados pelo conselho em seu primeiro ano de atividades. Uma missão foi enviada para examinar a situação em Darfur. Quando retornou com seu relatório, criticando o governo sudanês, o conselho recusou-se a endossar o documento ou aceitar as recomendações feitas.

O regime do general Omar al-Bashir, responsável por, no mínimo, 200 mil mortes em Darfur, não sofreu nenhuma censura. O Sudão, em nome da Liga Árabe, foi co-patrocinador das mais recentes resoluções condenando Israel.

Este histórico é muito mais sombrio do que a ¿sombra¿ mencionada por Annan. Você poderia pensar que isso é algo intolerável para os Estados democráticos com assento no conselho. Infelizmente não. Vários deles - como Índia, África do Sul e Indonésia - têm apoiado regularmente a Organização da Conferência Islâmica e o Movimento dos Não-Alinhados em seus ataques contra Israel e em sua defesa de Cuba, Bielo-Rússia e Sudão. O presidente do conselho, que forçou a aprovação das decisões sem uma votação, é um diplomata do México.

A União Européia conta com 8 países com assento no conselho de 47 membros. A UE tem se empenhado seriamente para que o conselho concentre sua atenção nos piores transgressores dos direitos humanos. De acordo com relatório do grupo independente UN Watch, a UE, ¿na maior parte das vezes, não deu apoio a propostas de resolução sobre um país específico¿. Antes da última reunião, a União Européia até ameaçou deixar o conselho, o que o extinguiria. Mas, encerrado o encontro, o representante europeu, o embaixador alemão Michael Steiner, disse que, embora o pacote de decisões de procedimento mencionando Israel ¿certamente não seja o ideal, ... temos uma base sobre a qual podemos trabalhar¿.

Quanto aos grupos ocidentais de direitos humanos, imagina-se que eles certamente não poderiam aceitar tanta distorção da defesa desses direitos. Na verdade, podem. A organização Human Rights Watch, com sede em Nova York, embora critique o conselho, diz que as decisões de procedimento do órgão ¿estabelecem as bases para seu trabalho futuro¿.

Peggy Hicks, diretora de defesa global da Human Rights Watch, disse-me que o foco do conselho em Israel é em parte apropriado, por causa da guerra do ano passado no Líbano, e é em parte causado pelo próprio Israel, por sua recusa em cooperar com as missões enviadas pelo conselho. (O Sudão também não quis colaborar, mas não foi censurado.) Hicks disse ter contado apenas 9 condenações a Israel, não 11.

Não importa de que maneira você as conta: será que há um momento em que uma campanha infundada e perversa para tirar a legitimidade de um país - cuja população, por acaso, é constituída, em sua maioria, por judeus - torna inescrupuloso o fato de colaborar com o órgão que conduz essa campanha? ¿Pode acontecer, mas não acho que estejamos perto disso¿, disse Hicks.

Esse é o movimento pelos direitos humanos no sétimo ano de um século que acaba de ter um mau começo.