Título: Custo-benefício da política econômica
Autor: Lacerda, Antonio Corrêa de
Fonte: O Estado de São Paulo, 21/07/2007, Economia, p. B2

O recente episódio da controvertida comunicação da definição da meta de inflação para 2009, pelo Conselho Monetário Nacional, e a sua repercussão oferecem uma boa oportunidade para debater as escolhas da política econômica, assim como a relação custo-benefício da estratégia brasileira.

Isso porque, por um lado, ao mesmo tempo que é aparentemente contraditório fixar uma meta de inflação de 4,5% para 2009, enquanto a inflação anual corrente anda por volta de 3,5% ao ano, por outro lado caberia analisar os fatores que têm permitido manter a inflação baixa, os instrumentos utilizados para tanto e os seus respectivos custos e implicações. Portanto a questão mais relevante não é a da fixação em si da meta para 2009, se 4% ou 4,5%. O ponto central é questionar o foco da política econômica num único objetivo, sem uma análise macroeconômica sistêmica das suas implicações.

O nível de inflação corrente no Brasil somente tem sido possível de ser atingido mediante condições especialíssimas. A começar com um quadro internacional benigno sui generis, que combina farta liquidez com juros baixos, fator magnificado pelo efeito deflacionário da maior participação da China na cadeia produtiva global.

O Brasil vem ¿surfando¿ nessa onda. Aproveita o espetacular fluxo de capitais externos, incluindo os investimentos diretos e os de portfólio, para financiar-se em melhores condições, o que é ampliado pelo saldo comercial majoritariamente proporcionado pelo crescimento dos preços no mercado internacional. Também tem aproveitado a ocasião para ampliar o volume de reservas cambiais, que cresceram de US$ 16 bilhões no início de 2003 para US$ 150 bilhões (julho/2007).

Diante desse quadro benigno, o mais óbvio seria que se promovesse uma queda mais expressiva da taxa de juro real doméstica. No entanto, não é isso o que ocorre. Embora a taxa de juros nominal (Selic) tenha sido recorrentemente reduzida, de 19,75% (setembro de 2005) para 12% (junho de 2007), a taxa real de juros, medida pela taxa nominal menos a expectativa de inflação para os próximos doze meses, ainda permanece acima de 8% ao ano, cerca de quatro vezes a média internacional.

Essa taxa real de juros elevada é um fator adicional de pressão pela valorização cambial, que gera uma deflação dos produtos comercializáveis localmente, proporcionado pelo ¿subsídio¿ cambial às importações, puxando a inflação média para baixo. Mas esse processo não é indolor. Ele favorece a arbitragem câmbio versus juros, não apenas do fluxo de capitais no mercado financeiro, mas também no fluxo comercial, incentivado a promover antecipações de receitas; de pagamentos, no caso dos exportadores; e de financiamento, no dos importadores, para transformá-los o mais rapidamente em reais, aplicar no mercado financeiro doméstico e capitalizar a diferença.

Esse último fator, somado às posições especulativas no mercado internacional, sem o ingresso efetivo de capitais (as operações NDFs - Non Deliverable Forwards), torna inócua toda tentativa de desqualificar o argumento do peso dos juros na valorização cambial, baseado apenas na mera comparação entre fluxo financeiro e comercial no mercado doméstico e argumentação de que o segundo é muito maior do que o primeiro.

Todo o debate dessa questão central tende a ser interditado pela falaciosa argumentação de que só existe um caminho para a política econômica, bem ao gosto do pensamento único. Valeria uma discussão mais séria e aprofundada sobre o aprimoramento da política macroeconômica.

Não se trata, necessariamente, de abrir mão do tripé: metas de inflação, câmbio flutuante e superávit primário, em vigor desde 1999, mas de aprimorá-lo e qualificar melhor as prioridades. Essa não é uma questão meramente técnica, mas política, na medida em que o conjunto de escolhas da combinação atual tem seus custos econômicos e sociais, além dos já mencionados também no custo de financiamento da dívida pública e na atrofia do crescimento do PIB. Mas ao mesmo tempo também proporciona ganhos expressivos de arbitragem, o que a muitos não interessa mudar. Trata-se, então, da decisão do que é o melhor para a Nação.

*Antonio Corrêa de Lacerda, doutor em economia pela Unicamp, é professor doutor da PUC-SP e autor, entre outros livros, de Globalização e Investimento Estrangeiro no Brasil (Saraiva). E-mail: aclacerda@pucsp.br