Título: Agora fazendeiro, Valério mantém a vida de luxo
Autor: Kattah, Eduardo
Fonte: O Estado de São Paulo, 19/08/2007, Nacional, p. A7

Às vésperas de o STF decidir sobre denúncia do caso, acusado de operar esquema refugia-se no interior de MG

Enquanto o Supremo Tribunal Federal (STF), mais de um ano depois, prepara-se para julgar o recebimento ou não da denúncia da Procuradoria-Geral da República contra 40 acusados de envolvimento com o mensalão, o empresário Marcos Valério continua exibindo alto padrão de vida. Apontado como operador do suposto esquema de pagamento de propina a parlamentares em troca de apoio ao governo durante o primeiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Valério teve os bens bloqueados pelo STF, mas recentemente adotou o figurino de fazendeiro.

Nos últimos meses, entre produtores rurais da pequena Caetanópolis e da vizinha Paraopeba, na região central de Minas Gerais, circularam rumores de que o ex-sócio das agências de publicidade DNA e SMPB Comunicação havia adquirido a Fazenda Santa Clara, de criação de gado nelore. Valério, por meio de assessores, afirma que não comprou, mas arrendou a propriedade onde abriga 11 cavalos de raça incluídos no rol de bens sob bloqueio. O imóvel se destaca na localidade rural, ostentando uma suntuosa sede com 700 metros quadrados - distribuídos em dois pavimentos - e extensa área de lazer.

No cartório de registro de imóveis de Paraopeba, a fazenda está em nome de Benito Porcaro Filho, um conhecido criador de nelore da região.

Escrituras de compra e venda em Caetanópolis registram que a propriedade possui um total de 311,70 hectares, resultado da aquisição pelo pecuarista de duas fazendas (Santa Clara e uma outra, a princípio denominada Santa Luzia) em dezembro de 1992, além de uma pequena área de 2,40 hectares, comprada em julho de 2005. No cartório de títulos e documentos de Paraopeba, porém, a informação é que não foi encontrado nenhum contrato de arrendamento entre o fazendeiro e Valério.

Há quase dois anos, o personagem que ganhou o noticiário nacional durante o escândalo que abalou o governo Lula adotou a discrição e evita declarações públicas. Desde então, para não ser reconhecido, chegou a circular de barba, abandonou a careca total, deixou crescer cabelo nas laterais e, há pouco tempo, recorreu a um implante.

Apesar do novo visual, funcionários da loja da Cooperativa Agropecuária de Paraopeba (Coapa) reconheceram Valério quando ele recentemente comprou ração, celas e botinas no estabelecimento.

O artesão Nélio José Ribeiro, 53 anos, um dos 11 herdeiros da pequena área adquirida por Benito em 2005, observa que a Santa Clara parece ter novo dono. 'Pelo que sei, empregados e o antigo administrador foram demitidos. Ouvi falar também que ele (Valério) não quer que ninguém beire lá.'

Ribeiro, nascido e criado no sítio dos pais - que depois acabou ilhado em meio à expansão da Santa Clara -, classifica como 'cinematográfica' a residência da fazenda e seus espaços anexos, um projeto assinado por Myrna de Fátima Gondim Porcaro, mulher de Benito e arquiteta de renome nacional. 'A piscina tinha até onda. O 'trem' lá é chique.'

Em meio às especulações de que teria comprado a propriedade por R$ 6 milhões, Valério divulgou nota afirmando que somente arrendou a propriedade e, como fiel depositário dos cavalos perante a Justiça, 'tem a obrigação legal de zelar pela integridade dos mesmos até que o processo seja concluído'. O casal Porcaro também divulgou nota reiterando que a propriedade foi arrendada e continua sob seu domínio. Afirmam ainda que são donos do rebanho existente na fazenda, conforme registros na Associação Brasileira dos Criadores de Zebu (ABCZ).

O advogado Marcelo Leonardo, que representa Valério, alegou que o contrato de arrendamento não necessita de registro. 'As partes apenas precisam fazer as respectivas declarações de renda na época própria.' O valor do aluguel da fazenda não foi informado.

Funcionários de cartórios da região ouvidos pelo Estado afirmam que é comum na região contratos por períodos de dois a três anos em que o arrendatário possui preferência de compra.

Para o artesão Ribeiro, a presença de Valério em Caetanópolis pelo menos serviu para mexer com a rotina da pacata cidade, terra natal da cantora Clara Nunes. 'O povo fala em Caetanópolis e lembra da Clara Nunes. Daqui a pouco vão lembrar é do Marcos Valério.'

DOR DE CABEÇA

Na cooperativa, fazendeiros e peões já se referem a Marcos Valério como um 'novato' no meio. O rótulo de produtor rural, porém, já foi motivo de muita dor de cabeça para o empresário. No auge do mensalão, em junho de 2005, debaixo de uma avalanche de denúncias, ele chegou a justificar saques de quase R$ 21 milhões no Banco Rural, nas contas da SMPB e DNA, entre julho de 2003 e maio de 2005, sob a alegação de que o dinheiro era usado para a compra de gado e cavalos de raça.

Descobriu-se depois que as agências constavam no Sistema Nacional de Cadastro Rural (SNCR) do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) como proprietárias ou posseiras de dez fazendas no oeste da Bahia. Seis propriedades em nome da DNA haviam sido dadas como garantia ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) para cobrir dívidas previdenciárias, que naquela época somavam R$ 8,7 milhões.

Investigações indicaram, porém, que as propriedades eram fictícias, o que levou o INSS a pedir vistas do processo, solicitando novas garantias. O processo também gerou o bloqueio judicial das contas da DNA.

No momento mais agudo da crise do mensalão, Valério já previa a bancarrota das agências de publicidade, que só não foram fechadas ainda em razão das pendências jurídicas a que os sócios respondem.

Com os bens inalienáveis, ele cobra do PT suposta dívida que ultrapassa R$ 100 milhões pelos empréstimos - no valor original de R$ 55 milhões -, com juros e correções, contraídos junto ao Rural e Banco BMG a pedido do então tesoureiro do partido, Delúbio Soares.

Montante equivalente é cobrado dele e dos ex-sócios pelas instituições financeiras.

MISTÉRIO

Valério costumava dizer que, se fosse preciso, venderia banana na rua para sustentar a família. Desde o início do ano passado, não é visto mais na mansão erguida no belo e luxuoso condomínio residencial Retiro do Chalé, em Brumadinho, região metropolitana de Belo Horizonte. Foi lá que ele se refugiou quando se tornou o personagem central da crise política. Vizinhos afirmam que a casa permanece fechada. Valério voltou a morar na reformada e nada modesta casa no bairro Castelo, região noroeste da capital mineira, que ganhou uma nova guarita.

Como ele faz atualmente para pagar as contas e os caros advogados, porém, ganhou ares de mistério. Valério continua 'atendendo' no elegante escritório localizado no bairro Savassi, região sul da capital mineira. O criminalista Marcelo Leonardo diz apenas que seu cliente trabalha como 'consultor de empresas'.