Título: A Abin deve ter a prerrogativa de fazer escutas?
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 05/09/2007, Nacional, p. A13

O sigilo das comunicações é garantia essencial em qualquer Estado Democrático de Direito. No Brasil, a partir da Constituição de 1988, não poderia ser diferente. Por essa razão, foi alçado à condição de direito fundamental. O artigo 5º, XII, da Carta Política, prevê expressamente que ¿é inviolável o sigilo da correspondência, das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas¿. A seguir, o próprio dispositivo constitucional aponta as únicas hipóteses que excepcionam a regra: ¿salvo, no último caso (comunicações telefônicas), por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal¿.

Valendo-nos da premissa constitucional, causa surpresa a proposta apresentada pelo futuro diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), delegado Paulo Lacerda, ao solicitar ao Congresso a aprovação de lei que autorize o órgão a fazer escutas telefônicas.

A Abin tem suas funções elencadas na Lei nº 9.883/99 e presta-se a fornecer subsídios ao presidente da República nos assuntos de interesse nacional (art. 1º).

Verifica-se, portanto, a absoluta impossibilidade de a Abin proceder a qualquer interceptação telefônica, ainda que seja elaborada lei que o permita: essa interceptação nunca se prestará, como exige a Constituição Federal, à investigação criminal ou instrução processual penal. Estaríamos diante de manifesta e incontornável inconstitucionalidade. Não há, sequer, possibilidade de emenda constitucional sobre o assunto, por se tratar de cláusula pétrea, imutável.

Não se pode olvidar, por outro lado, que nossa sistemática legal não está preparada para evitar hipotéticos excessos cometidos pela Abin. Ao contrário das Polícias Civil e Federal, sujeitas ao controle externo pelo Ministério Público, a Abin reporta-se diretamente ao presidente da República, impedindo-se com isso, a efetiva fiscalização de suas atividades.

Por isso, num momento em que se questiona, no mundo inteiro, os limites da atuação estatal, em contraponto aos direitos e garantias individuais dos cidadãos, qualquer medida que pretenda ampliar o poder do Estado deve ser combatida.

* Frederico Crissiúma de Figueiredo, advogado criminalista, professor assistente de processo penal na PUC São Paulo, integra o escritório Castelo Branco Advogados Associados.

SIM

Está chegando tarde. A contra-inteligência, que envolve tanto atividades de contra-espionagem quanto atividades de contraterrorismo não pode dispensar o instrumento da escuta telefônica. Isso é comum nos países desenvolvidos, que têm bons serviços de inteligência e não são ditaduras. São democracias, como é o caso dos Estados Unidos, da França e da Grã-Bretanha, entre outros. Eles usam a escuta como um meio comum, no cotidiano das atividades de contra-inteligência. Não há nada demais nisso. Já deveria estar em vigor há muito tempo no Brasil.

Defendo a necessidade do uso desse instrumento para as atividades de contra-inteligência, que não está preocupada com o criminoso comum, mas com as atividades que vêm contra os interesses do País. A contra-inteligência abrange, entre outras atividades, duas consideradas principais, a contra-espionagem e o contraterrorismo.

A contra-espionagem é um conjunto de ações destinadas a negar ao provável inimigo ou a um país qualquer o acesso a conhecimentos considerados de alta sensibilidade que possa prejudicar os interesses nacionais. O contraterrorismo permite às forças do País se anteciparem à ação terrorista, o que se faz através da obtenção de informações. A escuta telefônica é um dos meios da contra-espionagem e do contraterrorismo.

A contra-espionagem consiste na proteção dos segredos de Estado da espionagem estrangeira. A escuta é um meio importante, muito utilizado nos países democráticos em benefício do Estado. Se a contra-espionagem tem a finalidade de atender à segurança do Estado, ela tem de dispor dos meios necessários para tanto. Um deles é a escuta. Temos de ter um sistema de inteligência com capacidade de buscar no exterior as informações necessárias para o Brasil, assim como realizar a espionagem, se necessária.

A Abin, em tese, deveria estar voltada tanto para as atividades de espionagem no exterior como para as atividades de contra-espionagem no Brasil.

Receio de bisbilhotagem existe em qualquer país. Por isso a escuta tem de ser controlada pela Justiça. Ela é quem vai conceder ou não autorização para a escuta. Aqueles que trabalham nessa atividade deverão ter a consciência de que o uso da escuta deve ser justificado. Abusos existem nos Estados Unidos, na França ou na Grã-Bretanha. Existem excessos, ninguém está a salvo. Cabe ao Estado disciplinar, estabelecer regras, punições.

* Geraldo Cavagnari, coronel, membro do Núcleo de Estudos Estratégicos da Unicamp