Título: Bóia-fria da selva poda 6 mil Kg ao dia
Autor: Brito, Agnaldo
Fonte: O Estado de São Paulo, 07/10/2007, Economia, p. B10

Nordestino enfrenta com fé a dura rotina.

'Aquele que habita no esconderijo do Altíssimo à sombra do onipotente descansará.' Francisco da Chagas Lima Costa é um homem de fé, e essas palavras, retiradas do Salmo 91, são como um alento. Brotam da garganta quando a lida insiste em dobrar esse sertanejo. Contra a dureza do trabalho, a força da palavra.

Francisco é cortador de cana, número 5.135 na Agropecuária Jayoro. Nunca imaginou haver cana na Amazônia. Um convite de trabalho o trouxe para o meio da floresta. A esposa e os filhos ficaram no Piauí. Há duas safras, os golpes nos pés de cana tentam matar a saudade. Uma fotografia da família é sua única recordação. E, à noite, após derrubar 6 toneladas de cana, algumas lágrimas brotam de repente.

Mas o sonho da cana na Amazônia também lhe dá esperanças. 'Volto no fim do ano, para trazer todo mundo para junto de mim.' São seis dias de barco até Belém. Depois, a viagem de ônibus. Francisco vai morar em Presidente Figueiredo, cidade mais ao norte do Amazonas, que um dia quis homenagear o último presidente militar do Brasil.

Com 25,4 mil Km2,o município é tão extenso quanto alguns países europeus. Fora a produção de cana, só existe o serviço público. 'Quem não trabalha aqui só pode trabalhar na prefeitura. Sem isso, tem de viver de roça', diz Antonio Pinto Araújo, um dos funcionários da Jayoro nascidos no Amazonas. 'Sonhava em trabalhar aqui', diz o fermentador. Ele quer ser técnico em destilação de álcool, o passo seguinte. Hoje, a função está a cargo de Jean Carlos Rossini, paulista de Matão que fez carreira em usina de açúcar. Começou em São Paulo, onde aprendeu tudo sobre etanol, e é um dos responsáveis por fazer a usina da Amazônia produzir este ano 7 milhões de litros de álcool hidratado.