Título: O chinês que fugiu do comunismo e criou um grupo de R$ 2 bi no Brasil
Autor: Cançado, Patrícia
Fonte: O Estado de São Paulo, 25/10/2007, Negócios, p. B20

Shan Ban Chun, dono da Eleva, cobiçada pela Perdigão, quase comprou a própria Perdigão em 1994

O empresário chinês naturalizado brasileiro Shan Ban Chun, dono da Eleva, ainda não apareceu nas últimas negociações com a Perdigão. Nem mesmo para falar com Nildemar Secches, presidente da companhia que pode comprar a Eleva por cerca de R$ 2 bilhões. Ele sempre manda o presidente da empresa, Rami Goldfajn, e um de seus conselheiros, José Júlio Cardoso Lucena, para as reuniões. Até aqui, Ban Chun, que fez fortuna como operador de soja na bolsa de mercadorias, não tem se mostrado um negociador fácil. As conversas não avançam rápido porque ele insiste em pontos que envolvem valores menores que R$ 1 milhão, segundo fontes ouvidas pelo Estado.

Ban Chun, 77 anos, é definido como uma figura misteriosa, enigmática e extremamente discreta, do tipo que proíbe a divulgação do seu nome em ações filantrópicas. Ele não só não aparece em reuniões desse calibre, como também nunca dá entrevistas e muito menos posa para fotografias. Detesta tanto freqüentar salas de político quanto os restaurantes da moda. Ban Chun é bom de números, mas é também homem de poucas palavras. O veterinário chinês, que chegou ao Brasil fugido do comunismo há 50 anos, até hoje fala mal o português. 'Embora viva no Brasil há muito tempo, ele ainda pensa como chinês, fala como chinês e bebe chá verde todos os dias', diz um executivo que já trabalhou na Eleva.

O empresário criou seu império de carnes, aves e leite do zero. A Eleva, agora uma companhia com faturamento de R$ 2,1 bilhões e 9 mil funcionários, nasceu em 1959 como uma modesta granja em Porto Alegre que ficou conhecida como Avipal. Os donos - Ban Chun e um irmão (hoje não mais na empresa) - entregavam os frangos aos clientes numa Kombi, a mesma que a família usava para passear. O negócio prosperou. Quase vinte anos depois, os dois compraram a Granóleo e estrearam no negócio de grãos. Os mais próximos dizem que Bao Chan tornou-se um exímio negociador de soja usando apenas a intuição e a habilidade acima da média com as contas matemáticas. O grande salto da Eleva, porém, se deu com a compra da Laticínios CCGL, uma cooperativa gaúcha de leite.

IRONIA DO DESTINO

Nesse ponto da trajetória, vale contar um fato curioso, mas quase desconhecido. Por muito pouco, o chinês não virou dono da Perdigão. Em 1994, o fundador da Eleva fez uma oferta apenas alguns dólares abaixo dos US$ 150 milhões desembolsados pelos fundos de pensão, hoje controladores da concorrente da Sadia. Com o dinheiro, Ban Chun comprou todo parque industrial da CCGL. Ironia do destino: é principalmente graças a esse negócio que agora a Perdigão pode comprar a Eleva, dona da marca Elegê.

A área de leite e produtos lácteos responde por mais da metade das receitas da companhia atualmente. A Eleva é terceira maior do mercado, atrás da Nestlé e da Itambé. Se fechar o negócio, a Perdigão, que já tem a Batávia, pode ganhar o segundo lugar no ranking nacional. 'Ban Shun entrou nesse negócio por acaso, sem muita definição estratégica de transformar a companhia numa empresa completa de alimentos, como é a Nestlé e como pretende ser a Perdigão. Para ele, a compra da CCGL não era mais que uma boa oportunidade', diz uma fonte ligada ao empresário.

Ban Shun também contou com a sorte. A Eleva só atingiu esse patamar rapidamente graças à crise financeira da Parmalat. 'Eles foram os que mais aproveitaram esse momento. Na época, a Eleva estava mais preparada para ocupar o vácuo deixado pela Parmalat', diz um executivo do setor. 'Não foi fácil para ele crescer no negócio de leite, que é muito mais complicado do que o de carne e frango. O relacionamento da Elegê com os produtores não era bom.' A companhia tem uma rede de fornecedores com quase 20 mil produtores.

O crescimento recente da companhia também coincidiu com a reestruturação capitaneada pela consultoria Galeazzi e Associados a partir de 2004. Com isso, Ban Shun saiu de cena e a gestão da Eleva foi profissionalizada. O atual presidente, Rami Goldfajn, é um ex-Galeazzi. 'O Ban Shun tem cabeça de trader. Ele não tem perfil de gestor de uma empresa com quase 10 mil funcionários', diz um executivo próximo ao empresário.

A reestruturação consistiu em duas partes. A primeira foi dividir a empresa - e as equipes - em mercado externo e interno. Como são completamente distintos, não poderiam mais ser tratados da mesma forma. A outra providência foi criar e reforçar as marcas dos produtos. 'A empresa vendia os bens como se fossem commodities', diz uma fonte. A Eleva se modernizou e passou a negociar ações no Novo Mercado da Bovespa, que tem regras mais severas de governança corporativa. 'O Ban Shun comprou essa idéia de governança. Ele é um homem muito inteligente. Teve a coragem de mudar tudo e profissionalizar a empresa', diz um amigo do empresário.

Neste ano, o chinês criou um conselho de administração e se cercou de nomes de peso como Roberto Rodrigues (ex-ministro da Agricultura), Antônio Kandir (ex-ministro do Planejamento e sócio da GG Investimentos) e Antônio Britto (ex-governador do Rio Grande do Sul.

SUCESSÃO

Há tempos, Ban Shun quer se desfazer de sua empresa, que vale acima de R$ 1 bilhão na Bolsa de Valores. No passado, ele chegou a contratar banco de investimento para oferecer seu negócio de leite para a Nestlé e para a Itambé. Também flertou com a Cargill. Houve rumores de venda para a Sadia. Mas não passou de especulação. Na ocasião, Ban Shun teria ligado para Walter Fontana Filho, à época presidente da Sadia, e dito, no seu português de Xangai : 'Se comprou, cheque não chegou.' Segundo fontes, o empresário não foi bem-sucedido porque nenhuma das empresas estava interessada em levar o pacote completo: carne, aves e leite, o que agora atrai a Perdigão.

Na realidade, Ban Shun sempre esteve preocupado em solucionar um problema de sucessão. Nenhum de seus três filhos - Natali, Leonardo e Warren - quer ou tem condições de assumir seu lugar na companhia. 'O que ele quer deixar é um fundo financeiro para os filhos', diz um amigo. Há três opções de pagamento em discussão: 100% em dinheiro, uma parte em dinheiro e outra em ações da Perdigão ou somente troca de ações. Seja qual for, os herdeiros de Ban Shun certamente terão o futuro garantido.

TRAJETÓRIA

1959: Shan Ban Shun e o irmão criam uma pequena granja - que depois ficou conhecida como Avipal - em Porto Alegre. No começo, a distribuição dos frangos aos clientes era feita numa Kombi, a mesma que a família usava para passear na cidade

1976: Os irmãos criam a Granóleo e entram no negócio de soja. O chinês fez fortuna comprando e vendendo o grão na Bolsa

1994: Ban Shun participa do leilão para comprar a Perdigão, mas faz uma oferta pouco abaixo dos US$ 150 milhões oferecidos pelos fundos de pensão que hoje controlam a companhia

1996: Adquire a estrutura industrial da cooperativa gaúcha CCGL e entra no negócio de leite, hoje responsável por mais da metade das receitas da Eleva

2004: Empresário contrata a consultoria Galeazzi e Associados para profissionalizar e reestruturar a companhia

2007: Perdigão negocia a compra da Eleva