Título: Três Gargantas é maior represa do mundo e maior desastre da China
Autor: Yardley , Jim
Fonte: O Estado de São Paulo, 08/12/2007, Internacional, p. A10A

Falhas no projeto e deslocamento de pessoas fizeram com que a represa se tornasse uma tragédia ambiental

No ano passado, autoridades chinesas comemoraram a conclusão da represa de Três Gargantas divulgando uma lista de dez recordes mundiais quebrados na construção da obra. Entre eles: Três Gargantas é a maior represa do mundo, a maior usina siderúrgica e a maior consumidora de areia, pedra, concreto e aço. Até mesmo as 1,13 milhão de pessoas deslocadas pelo projeto entrou na lista como o recorde número 10.

Hoje, o Partido Comunista espera que a represa não se transforme na maior loucura da China. Nas última semanas, autoridades chinesas admitiram que a barragem estava espalhando problemas ambientais - como poluição da água e deslizamentos de terra - que poderiam tornar-se graves. O mais espantoso é que as autoridades querem iniciar um novo programa de realocação ainda maior que o primeiro.

A crescente controvérsia nos faz esquecer do que poderia ser listado como o recorde de número 11: a represa é a maior produtora de eletricidade de energia renovável do mundo. Aliás, a energia hidrelétrica está no centro de uma das mais elogiadas iniciativas verdes da China, um plano para expandir rapidamente a energia renovável até 2020.

Assim, Três Gargantas está no desconfortável centro do problema energético do país: a economia é dependente de usinas elétricas movidas a carvão, que poluem o ar e vomitam gases causadores do efeito estufa e que contribuem para o aquecimento global. As represas produzem eletricidade de maneira muito mais limpas, mas têm desalojado milhões de pessoas na China e deixado um duro legado ambiental na paisagem.

¿É realmente uma situação em que nenhuma opção é boa¿, disse Jonathan Sinton, da Agência Internacional de Energia.Por enquanto, a escolha da China é continuar construindo grandes barragens, apesar dos impactos sociais e ambientais dos projetos serem cada vez mais questionados.

Três Gargantas foi projetada como uma âncora para uma série de megausinas hidrelétricas planejadas para o médio e alto Rio Yang-tse. A intenção era que a China, em 2020, triplicasse sua capacidade hidrelétrica para 300 gigawatts.

Os líderes do Partido Comunista, que iniciaram o projeto de Três Gargantas, em 1994, prometeram que a China construiria a maior represa do mundo, administraria o maior assentamento humano do mundo e, ao mesmo tempo, protegeria o meio ambiente.

Críticos advertiram sobre os perigos, mas todas as objeções foram deixadas de lado. Agora, dizem os ambientalistas, os problemas em Três Gargantas evidenciam os riscos da nova fase da construção de represas, que poderá desalojar mais de 300 mil pessoas.

ENERGIA LIMPA

¿No oeste da China, a busca unilateral pelos benefícios econômicos da energia hidrelétrica tem acontecido às custas de pessoas realocadas, do meio ambiente e da terra e de sua herança cultural¿, disse Fan Xiao, geólogo da Província de Sichuan e crítico do projeto de Três Gargantas. ¿O desenvolvimento hidrelétrico é desordenado, descontrolado e atingiu um escala vertiginosa.¿

Os defensores do projeto dizem que a energia hidrelétrica é um dos recursos energéticos mais ricos e menos explorados da China. Apesar de boa parte do país ser assolada por secas e escassez de água, a China também ostenta uma malha de rios importantes que correm do alto platô tibetano. Atualmente, o país utiliza apenas um quarto de seu potencial hidrelétrico.

Ao mesmo tempo, o apetite da China por energia está sendo saciado principalmente por um surto de construção de usinas elétricas a carvão. O carvão representa 67% do suprimento energético da China. Só no ano passado, o país acumulou 102 gigawatts de capacidade de geração, o mesmo que toda a capacidade da França.

DANOS SOCIAIS

Há anos existe um debate internacional acalorado sobre grandes barragens (as com mais de 15 metros de altura), por causa da possibilidade de rupturas. Muitos ambientalistas contestam que a eletricidade gerada por grandes barragens deva ser considerada renovável em razão dos danos sociais e ambientais que acompanham muitos projetos.

Os EUA possuem grandes represas, mas, nos últimos anos, começaram a desmobilizar algumas delas por razões ambientais. A tensão em torno das grandes barragens também está aumentando na China. Ambientalistas defendem uma regulamentação mais rígida e maior participação pública antes de os projetos serem aprovados.

O realocação continua sendo uma questão sensível. Há dois anos, mais de 100 mil pessoas protestaram contra o projeto da represa de Pubugou, na Província de Sichuan, até que a tropa de choque fosse chamada para sufocar a manifestação.

O presidente da China, Hu Jintao, e o primeiro-ministro, Wen Jiabao, parecem menos empolgados por esses grandes projetos dos que seus antecessores. Nenhum dos dois compareceu à cerimônia de conclusão de Três Gargantas, no ano passado. Wen pediu reavaliações ambientais para vários locais. Entretanto, com o ímpeto da economia, a maioria dos projetos continua avançando.

O debate renovado sobre o projeto de Três Gargantas oferece uma visão sobre as pressões competitivas na China. Projeto de ostentação e maravilha tecnológica, Três Gargantas foi concebida inicialmente para o controle de enchentes e não com a intenção de gerar energia limpa.

FRAGILIDADE

Hoje, as represas são um grande negócio na China e a busca do lucro é outra importante razão por trás da corrida pela energia hidrelétrica. Poucos projetos hidrelétricos foram mais polêmicos que o de Três Gargantas. Cidades inteiras foram inundadas junto com templos antigos.

Hoje, muitas pessoas reassentadas pelo projeto continuam com dificuldades para sobreviver. Durante anos, apesar dos problemas, as autoridades chinesas raramente criticaram a construção da represa ou expressaram qualquer tipo de preocupação.

E aí, inesperadamente, o silêncio foi rompido. Em Pequim, alguns observadores se perguntaram se Hu e Wen haviam permitido a veiculação pública para se distanciarem de um projeto construído por líderes anteriores. Outros especularam que autoridades da região onde foi construída a barragem estariam divulgando os problemas porque a última fase de construção termina em 2009. Novos problemas poderiam significar novas canalizações de financiamento público.

Contudo, a mera sugestão de ¿uma catástrofe¿ trouxe à tona uma questão alarmante: o que constitui uma catástrofe na maior represa do mundo? Fan, o geólogo e crítico, disse que a região de Três Gargantas tem uma história de fragilidade geológica. Ele disse que a pior situação seria um grande terremoto induzido pela pressão da elevação da água - uma possibilidade que as autoridades há muito desconsideram.

O grave assoreamento, aparentemente menos alarmante, também pode trazer problemas rio acima na cidade de Chongqing nos próximos 20 anos. Em seu relatório de trabalho de 2007 ao Congresso Nacional Popular, Wen observou que a construção de represas, ao longo de muitos anos, havia desalojado 23 milhões de pessoas na China. E Três Gargantas deveria ser um programa-modelo, que não só mudaria as pessoas, mas reconstruiria comunidades.

O reassentamento começou em 1997. Agricultores seriam realocados em cidades recém-construídas. No entanto, alguns estudos agora mostram que a densidade populacional da região é quase o dobro da média nacional. Em muitas aldeias, há agricultores demais empoleirados em encostas íngremes, dividindo uma quantidade limitada de terra.

A migração também danificou o meio ambiente. Os agricultores limparam a terra para plantar hortaliças e laranjais. O desmatamento contribuiu para a erosão do solo e desestabilizou muitas encostas de morro. Hoje, equipes de construção estão ocupadas reforçando com concreto as encostas fragilizadas na parte de cima do reservatório. Nas montanhas, a erosão do solo é endêmica. Na aldeia de Pinggao, Li Shuy, 50 anos, caminhava pelo campo inclinado apontando rachaduras no solo.

¿Sempre que chove, o solo começa a descer morro abaixo¿, disse Li. ¿O problema está ficando cada vez mais sério nos últimos anos.¿ No último verão, um tremor abalou Pinggao, deixando rachaduras em muitas casas. Quando a precipitação é pesada, Li disse que sua casa balança tanto que ¿dá para ouvir as telhas estalando no telhado¿.

PROBLEMAS

Os problemas estão evidentes há muitos anos. Ainda em 2000, o governo central havia começado a mudar as políticas nacionais para enfrentar a degradação ambiental. O motivo foi as enchentes ao longo do Rio Yang-tse, que ceifaram milhares de vidas, em 1998. O desmatamento e a erosão do solo no alto Yang-tse colaboraram para o desastre. Os leitos assoreados dos rios tornaram-se autopistas elevadas para as torrentes enfurecidas.

Pequim ordenou uma proibição nacional do corte de madeira e começou a reflorestar milhões de hectares ao longo do Yang-tse, incluindo a região de Três Gargantas. Muitos agricultores, que havia se mudado para locais mais altos nas encostas, foram encorajados a plantar um cinturão verde estabilizador ao longo da margem.

Para aliviar a pressão sobre a terra, autoridades de Três Gargantas mudaram a política de realocação, prometendo terra de graça e ajuda financeira para as pessoas que se mudarem para outras províncias.

Links Patrocinados