Título: Banco do Sul, ainda no escuro
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Fonte: O Estado de São Paulo, 24/01/2008, Notas e Informações, p. A3

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva e cinco de seus colegas sul-americanos assinaram domingo, em Buenos Aires, a ata de fundação do Banco do Sul, uma instituição ainda sem capital definido, sem regras de operação e sem finalidade claramente estabelecida, mas, segundo o presidente brasileiro, decisiva para a integração da América do Sul. De fato, não tão decisiva neste momento.

O presidente uruguaio, Tabaré Vázquez, de mal com Néstor Kirchner, da Argentina, por causa de uma fábrica de celulose, resolveu não comparecer e deixou para assinar depois. O colombiano Álvaro Uribe havia mostrado interesse no empreendimento, mas brigou com o venezuelano Hugo Chávez e ninguém sabe quando a Colômbia poderá aderir.

Alguns pontos parecem estar claros pelo menos para as autoridades financeiras de Brasília. Por exemplo, o aporte brasileiro não será financiado com reservas cambiais, disse em Buenos Aires o ministro da Fazenda, Guido Mantega, repetindo a informação fornecida na semana passada pelo secretário de Assuntos Internacionais do Ministério da Fazenda, Luiz Eduardo Melin. Isso contraria declaração recente do presidente venezuelano, Hugo Chávez, autor da proposta original de criação do banco.

¿Nunca foi cogitado o uso das nossas reservas internacionais¿, disse Melin. No Brasil, acrescentou, o uso de reservas obedece ¿a uma legislação bastante específica e clara quanto a sua destinação¿. O secretário acertou na referência à lei, mas esse detalhe nem sempre foi considerado no Ministério da Fazenda. O ministro Mantega defendia até há pouco tempo o uso de reservas para a formação de um fundo soberano. Só recuou diante da oposição do presidente do Banco Central. O esclarecimento desse ponto pode ter contribuído para se evitar equívoco semelhante no caso do banco.

Não sendo possível o uso de reservas, a contribuição brasileira para o capital deverá sair diretamente do Tesouro ou de alguma instituição sob seu controle. Terá de ser recurso fiscal. De toda forma, a contradição entre as palavras de Chávez e as de Melin e Mantega é mais um sinal de que há importantes diferenças entre os governos envolvidos na criação do banco.

Para alguns desses governos, a nova instituição deve ser uma alternativa às fontes tradicionais de financiamento, como o FMI, o Banco Mundial (Bird) e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). O próprio ministro Guido Mantega, em recentes declarações em Washington, mencionou a criação de organismos de alcance regional como sucedâneos do Fundo. Noutras ocasiões, autoridades brasileiras - e o próprio Mantega, em Buenos Aires - têm se referido ao Banco do Sul como instituição de desenvolvimento, complementar ao Bird e ao BID.

Em Buenos Aires, o presidente Lula manifestou maior ambição, referindo-se à criação de um ¿fundo de estabilização para países com desequilíbrios no balanço de pagamentos¿, para nos livrar da dependência exclusiva do FMI, mas não deixou claro se isso se refere a um projeto posterior.

O secretário Melin transmitiu, no Congresso Nacional, na quinta-feira, a idéia de um empreendimento clássico, baseado em critérios técnicos e na busca de retorno financeiro.

É impossível dizer, agora, se o governo brasileiro conseguirá sustentar, nos próximos passos, uma firme defesa da racionalidade. Brasília, desde o lançamento da idéia, cedeu mais de uma vez às pressões dos parceiros. No começo, as autoridades brasileiras até resistiram à proposta de criação do Banco do Sul, mas acabaram concordando - como tem ocorrido em outras negociações com parceiros da região. Na semana passada, em giro pelo Norte do Brasil, o presidente Lula repetiu o discurso da generosidade como instrumento de integração regional. Não se sabe como essa generosidade se refletirá na operação do banco.

O empreendimento reúne, por enquanto, os sócios plenos do Mercosul - Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai - e também Bolívia, Equador e Venezuela. As propostas do presidente Chávez têm tido apoio da maioria. O presidente Néstor Kirchner, dependente do financiamento venezuelano, foi o primeiro a aplaudir a proposta de criação do banco. Falta ver como se comportará sua mulher e sucessora, Cristina Kirchner.

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