Título: Conflito étnico arrasa economia e imagem externa do Quênia
Autor: Barba, Mariana Della
Fonte: O Estado de São Paulo, 03/02/2008, Internacional, p. A16

Turismo pode levar até três anos para se recuperar; exportações de flores e chá estão ameaçadas

Mariana Della Barba

As imagens do Quênia mostradas na TV se repetiram ao longo das últimas semanas: homens enraivecidos carregando facões, multidões fugindo dos conflitos, corpos ensangüentados espalhados pelas ruas. No total, mais de 800 pessoas foram mortas desde o início da violência pós-eleição, em 27 de dezembro. Além do trágico custo humano, os confrontos também estão provocando um enorme impacto na economia queniana, vista até então como uma das mais estáveis da África, com um crescimento médio de 6% nos últimos anos.

As lojas foram saqueadas, as indústrias fecharam, as plantações foram arrasadas, os trabalhadores fugiram e o turismo, importante fonte de renda no país, parou. Logo no primeiro dia de funcionamento de 2008, a Bolsa de Valores de Nairóbi caiu 5%, registrando perdas no valor de US$ 591 milhões. Segundo o jornal Business Daily Africa, o governo está perdendo quase US$ 30 milhões por dia em receita, incluindo as exportações de chá (quarta maior do mundo) e flores (maior fornecedor da Europa). O país, de 36,9 milhões de habitantes, tem renda per capita de cerca de US$ 500.

A brutalidade dos conflitos repercutiu pelo mundo e espantou turistas - principalmente os europeus, que costumavam passar a lua-de-mel no Quênia. Para 2008, eram esperados 2 milhões de estrangeiros, que visitariam reservas de animais selvagens e praias e se hospedariam em resorts de luxo. Mas atualmente o setor que, de longe, é a principal fonte de divisas do país (cerca de US$ 1 bilhão por ano) ¿morreu¿, segunda a Associação de Turismo do Quênia.

¿A violência não chegou às zonas turísticas e é possível ir até o centro de Nairóbi sem ver confrontos. Mas o governo queniano não consegue garantir que a violência irá acabar e os turistas continuarão a ser poupados¿, disse ao Estado, por telefone, Stephen Chan, professor de políticas africanas da Universidade de Londres. ¿Cada mês de violência significa uma perda equivalente a um ano de receitas com o turismo.¿

Além disso, a imagem do país pode sofrer arranhões tão profundos que os turistas passarão a escolher outros destinos. ¿Mesmo se o conflito terminar hoje, a indústria turística pode levar de dois a três anos para se recuperar¿, afirma Chan. Isso porque, mesmo sem conflitos, a percepção dos estrangeiros sobre o país foi afetada. Sai do imaginário o cartão-postal com elefantes à beira de lagos e jipes em meio a safáris e fica a de homens carregando machetes.

A agricultura - responsável por 25% da economia - foi golpeada. Agricultores estão distribuindo bananas por não ter como transportá-las. ¿Trabalhadores nas plantações de chá foram forçados a fugir, e os das fazendas de flores ficaram cercados em meio ao conflito¿, disse ao Estado Bernard Barrett, do Comitê Internacional da Cruz Vermelha em Nairóbi.

Os prejuízos no mercado imobiliário chegam a US$ 15 milhões. Na indústria, as perdas são de US$ 35 milhões por semana. ¿O porto de Mombasa, responsável pelas exportações para a África, está parado¿, afirmou o sociólogo queniano Alex Otieno, da Universidade Arcadia, na Filadélfia.

Para os analistas, os prejuízos podem levar os empresários a pressionar o governo.

DESEMPREGO

Além do prejuízo imediato de hotéis às moscas e de produções devastadas, é preciso levar em conta o peso do desemprego, já que cada funcionário no Quênia costuma sustentar dez parentes. Cerca de 250 mil empregos podem desaparecer no setor turístico e outros 20 mil somente na produção de flores. No comércio, 5 mil postos de trabalho já foram fechados. ¿É uma tragédia como dois políticos podem destruir um dos mais belos países africanos em quatro semanas¿, disse Vere Nicoll, diretor da Associação de Turismo Africano na Grã-Bretanha, em referência ao presidente Mwai Kibabi, reeleito em dezembro, e o líder da oposição, Raila Odinga, que contesta o resultado das urnas. Nicoll cita um provérbio swahili para resumir a situação: ¿Quando dois elefantes brigam, é a grama que fica pisoteada.¿

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