Título: Pesquisadores querem liberdade para ir além do arroz com feijão
Autor: Escobar Herton
Fonte: O Estado de São Paulo, 24/02/2008, Vida&, p. A26

Físicos brasileiros cobram mais apoio do CNPq para projetos de risco, que podem ou não resultar em publicações

¿O Brasil já faz muito bem o arroz com feijão. Está na hora de fazer coisas mais sofisticadas.¿ Com essa analogia culinária, o físico Constantino Tsallis chama a atenção para um gargalo cada vez mais apertado, que ameaça estrangular o crescimento da ciência brasileira: a dificuldade de distribuir recursos escassos, de maneira equilibrada, para uma população cada vez maior e mais exigente de pesquisadores.

Pelas regras atuais do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), principal órgão de fomento à pesquisa do governo, apenas projetos mais convencionais são contemplados, enquanto trabalhos mais arriscados e de longo prazo acabam negligenciados, segundo o físico.

Uma rigidez burocrática que, segundo ele, inibe a ousadia intelectual dos pesquisadores e diminui as chances de o País chegar a descobertas científicas mais significativas - daquelas que podem render um Prêmio Nobel. ¿Ninguém ganha o Nobel fazendo feijão com arroz. Isso todo mundo faz¿, aponta Tsallis, do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), no Rio.

Pratos mais elaborados, segundo ele, exigem liberdade para ousar nos condimentos e experimentar novas receitas. ¿Pela mentalidade atual, projetos de grande risco são jogados fora quase que de cara¿, afirma Tsallis. ¿Muitas pesquisas que poderiam ter um impacto grande acabam não sendo feitas¿, concorda o diretor do CBPF, Ricardo Galvão. ¿O pesquisador simplesmente não se arrisca. Prefere continuar sempre na mesma linha de pesquisa, porque sabe que aquilo vai render resultados garantidos.¿

Tsallis, de 64 anos, expôs suas críticas em uma carta aberta à Sociedade Brasileira de Física (SBF), publicada no mês passado pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e pela Academia Brasileira de Ciências (ABC).

O texto é especialmente direcionado ao Comitê de Assessoramento de Física e Astronomia do CNPq, grupo de cientistas responsável pela avaliação e concessão das prestigiosas Bolsas de Produtividade em Pesquisa. Mas as críticas, segundo Tsallis, valem para todo o sistema de bolsas e fomento.

Para ele, falta flexibilidade ao CNPq para apoiar cientistas que não se encaixam no modelo padrão de produção. Ele questiona algumas exigências básicas, como a obrigação de orientar alunos de doutorado e publicar um número mínimo de trabalhos por ano em revistas selecionadas.

¿São todos critérios razoáveis, que na média funcionam muito bem, mas que, usados da maneira errada, se tornam extremamente nocivos¿, disse Tsallis ao Estado. ¿Os critérios deveriam ser sempre indicativos, nunca eliminatórios.¿

A reclamação, curiosamente, parte de um cientista que não tem muito do que reclamar. Nascido na Grécia e nacionalizado brasileiro, Tsallis preenche com folga todos os requisitos do CNPq. Mantém bolsa de produtividade há mais de 20 anos, já orientou 26 teses de doutorado e tem quase 300 trabalhos publicados, com cerca de 8 mil citações - números que o qualificam como um dos cientistas mais influentes no País.

É também o cientista brasileiro com o segundo maior número de citações nominais (quando um outro cientista menciona seu nome no título de um trabalho, por exemplo), com 1.019 citações - atrás apenas de Carlos Chagas, que tem 5.598. Isso graças a uma importante teoria da física estatística que ele publicou em 1988, conhecida como ¿entropia de Tsallis¿. ¿Levanto essa questão porque estou cansado de ver dúzias de bons cientistas serem desestimulados pelo mau uso de critérios¿, afirma o físico.

O Estado conversou com vários pesquisadores sobre o tema. Muitos concordaram com Tsallis, outros consideraram suas críticas exageradas e influenciadas por motivações pessoais. Mas todos estão de acordo que o sistema de avaliação brasileiro pode - e deve - ser melhorado. Ou pelo menos discutido (leia texto abaixo).

¿Durante toda a minha gestão no CNPq insisti para que a comunidade científica discutisse os critérios de julgamento adotados pelos comitês¿, disse o pesquisador Erney Camargo, da Universidade de São Paulo (USP), que presidiu o CNPq de 2003 a 2007. ¿O professor Constantino está apenas fazendo o aconselhável e sua proposta (de debater o tema) coincide plenamente com minha posição.¿

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