Título: Equador decide se aceita nova Carta
Autor: Lameirinhas, Roberto
Fonte: O Estado de São Paulo, 29/08/2008, INTERNACIONAL, p. A22

Projeto constitucional de Correa deve ser aprovado, o que aumentará significativamente poderes do presidente

Roberto Lameirinhas

Os equatorianos vão hoje às urnas para dizer ¿sim¿ ou ¿não¿ ao projeto de Constituição impulsionado pelo presidente esquerdista Rafael Correa, considerado fundamental para o seu plano de ¿refundar o Equador¿. Seguidor do venezuelano Hugo Chávez, de quem se orgulha de ser ¿amigo pessoal¿, Correa terá seus poderes significativamente ampliados caso a nova Carta seja aprovada na votação popular. Além de permitir a reeleição presidencial - vetada sob a Constituição atual -, ficará a cargo do presidente a indicação de membros do Judiciário e de agências nacionais reguladoras e de fiscalização.

Embora sem nenhuma menção ao ¿socialismo do século 21¿ - projeto lançado por Chávez, com o qual Correa se comprometeu em seu discurso de posse, em janeiro de 2007 -, a proposta de Constituição contempla a possibilidade de nacionalização de setores estratégicos e passa para o Estado a regulamentação da política salarial do setor privado. Para horror dos empresários e analistas econômicos do país, a futura Carta deixa aberto o caminho para que o Equador volte a adotar uma moeda nacional e abandone a dolarização, estabelecida em 2000, em meio a uma crise cambial e financeira que levou à quebra do sistema bancário e lançou o país na hiperinflação.

¿Dias antes da adoção do dólar como moeda, 1 dólar valia 12 mil sucres. Uma semana depois, a cotação era de 1 dólar para 25 mil sucres¿, disse ao Estado um consultor de um grande banco europeu que atua no país, sob condição de anonimato. ¿O Equador vive em crise desde a independência, em 1822, mas o estrago que a hiperinflação causou à poupança dos equatorianos ainda está no consciente coletivo. Caso leve adiante um plano para abandonar a dolarização, Correa perderá a popularidade que vem obtendo com a concessão de bônus para os pobres e o investimento do Estado em obras públicas, que criam emprego.¿

Assim como a Venezuela de Chávez, o Equador tem sido beneficiário, até aqui, dos altos preços do petróleo no mercado internacional. O país extrai cerca de 500 mil barris por dia, num mercado do qual participam a brasileira Petrobrás e a espanhola Repsol-YPF.

Por meio de um decreto baixado em abril, quando o barril estava cotado a US$ 120, Correa estabeleceu que as empresas estrangeiras repassassem ao Estado equatoriano 99% das receitas extraordinárias da atividade, em lugar dos 50% que pagavam. A Petrobrás negocia um acordo, mas a Repsol tende a buscar seus direitos em fóruns internacionais.

Na semana que antecedeu ao referendo de hoje, Correa investiu com vigor contra a construtora brasileira Norberto Odebrecht, expulsando a empresa do país, passando suas operações para o controle do Estado, militarizando suas instalações e decretando a ¿suspensão dos direitos constitucionais¿ de quatro executivos brasileiros da empresa. Segundo o presidente, a companhia foi responsável por uma falha na Usina Hidrelétrica de San Francisco, construída pela Odebrecht, que paralisou uma das turbinas e expôs o país a um colapso energético. A empresa negociava uma indenização pelo defeito quando Correa rompeu o diálogo - a Odebrecht também construía outra usina, um aeroporto e tocava dois projetos hídricos no litoral.

O advogado especializado em questões energéticas Augusto Tandazo apontou uma série de atropelos jurídicos contidos no decreto de Correa. ¿Primeiro, a Odebrecht foi contratada por uma estatal e o rompimento de contrato só poderia ser feito pelas partes contratantes. E somente o Judiciário poderia decidir a proibição de os executivos deixarem o país.¿

Adicionalmente, Correa ameaçou não pagar os US$ 244 milhões emprestados pelo BNDES para financiar obras de infra-estrutura. Ontem, o presidente equatoriano recuou e anunciou ter chegado a um acordo coma construtora brasileira (leia na página 24).

¿Essas ações mostram o grau de ditadura em que o Equador já vive e que deve se aprofundar se o projeto constitucional for referendado¿, declarou o ex-chanceler Heinz Moeller. ¿Depois do rompimento de contrato com a Odebrecht, nenhuma outra empresa estrangeira se atreverá a investir no Equador e, agora sim, estamos em risco de uma grave crise energética.¿

A crônica instabilidade política, que levou o país a ter sete presidentes em 12 anos, serviu de justificativa para a redação de uma nova Constituição dando mais força ao Executivo. Correa foi eleito em 2006 com a promessa de estabelecer uma Assembléia Constituinte - para a qual seu partido elegeu a maioria dos deputados em 2007. Assim que a Assembléia foi instalada, Correa dissolveu o Congresso unicameral, abrindo uma crise no Poder Legislativo.

Na onda do discurso antiamericano de Chávez, Correa também entrou em choque com os EUA, ao se recusar a renovar a concessão de uso da base militar de Manta, próxima a Guayaquil.

Uma pesquisa realizada há duas semanas indicava que Correa sairia vencedor no referendo, com o ¿sim¿ alcançando 69% dos votos e o ¿não¿, 31%. ¿O esforço de Correa não é apenas para vencer o referendo, mas para vencer de forma arrasadora, que divida a oposição¿, declarou a socióloga da Universidade Católica de Quito Bertha García Gallegos.