Título: Argentina reage à estatização da previdência
Autor: Palacios, Ariel
Fonte: O Estado de São Paulo, 22/10/2008, Economia, p. B9

Com o argumento de ¿salvar¿ os futuros aposentados argentinos, a presidente Cristina Kirchner anunciou ontem que enviará ao Parlamento um projeto de lei para acabar com o atual sistema de aposentadoria privada e, assim, levar os 9,5 milhões de filiados dos Fundos de Pensões (AFJPs) para o sistema estatal, utilizado atualmente por 5 milhões de pessoas.

O projeto tem provocado polêmica, já que lideranças da oposição acusam o governo de querer reestatizar o sistema previdenciário para ter acesso a um novo fluxo de dinheiro e financiar gastos públicos e a campanha política do ano que vem.

As AFJPs emitiram comunicado conjunto no qual alertaram para o risco de que a medida ¿desestimulará os investimentos na Argentina¿. A decisão da presidente teve efeitos negativos nos mercados. O risco do país subiu 294 unidades, chegando a 1.679 pontos básicos, enquanto a Bolsa de Buenos Aires despencou 10,99%.

Diante da queda generalizada, a Justiça Federal ordenou às AFJPs que suspendam as compras e vendas de títulos por uma semana. Segundo o promotor federal Guillermo Marijuan, as AFJPs estavam liquidando os bônus da dívida pública perante a iminente reestatização.

Para o governo, os fundos de pensão beiram o colapso, registram perdas de 40% desde o início do ano por causa da crise interna argentina e das turbulências internacionais. Por isso, pretende ¿resguardar as aposentadorias dos futuros aposentados¿. A medida tem o apoio das duas centrais sindicais, a Confederação Geral do Trabalho (CGT) e a Central dos Trabalhadores Argentinos (CTA).

A batalha parlamentar em torno do tema promete ser feroz. Se o Congresso aprovar o projeto, o governo embolsará em 2009 mais de US$ 5 bilhões de arrecadação adicional. Além disso, Cristina economizaria o pagamento de US$ 3,5 bilhões que deve desembolsar anualmente às AFJPs relativos ao capital e juros dos títulos que essas entidades tinham em suas carteiras (com a reestatização, o Estado vira credor de si próprio). Com isso, afirmam analistas, Cristina conseguirá cobrir metade dos vencimentos da dívida em 2009. A outra metade seria coberta pelo superávit fiscal. O governo afastaria, dessa forma, rumores sobre um novo calote da dívida.

Nesse cenário, a presidente poderia adiar os planos de renegociação da dívida com os ¿holdouts¿ (credores que ficaram de fora da reestruturação realizada em 2005 da dívida em estado de calote desde 2001). Além disso, Cristina contaria com fundos extras para distribuir aos governadores, e assim, garantir respaldo para as eleições parlamentares do ano que vem.

Com a medida, o sistema previdenciário voltará às mãos do Estado, tal como era até 1994, antes da reforma do ex-presidente Carlos Menem. O sistema privado continuará existindo, embora apenas como uma alternativa para complemento da pensão estatal.

Perante centenas de convidados, após assinar o projeto de lei, Cristina disse que a medida ¿é tomada em um contexto internacional no qual os países ricos adotam decisões de proteção generalizada¿. ¿Desaparecem bancos e empresas. Mas os Estados estão ali, e aparecem!¿.

Depois, disparou contra os críticos: ¿Quando medidas estatistas são tomadas pelos EUA e a França, são simpáticas. Mas, quando somos nós...¿